Postagens

Mostrando postagens de fevereiro, 2018

Marcela

Tinha um ás, um valete e um quatro de copas em mãos.  Os casais à sua frente riam e jogavam suas cartas, felizes de vinho. Ela sorria junto, mas a mente começava a divagar. - Marcela, joga logo! Eu já falei! - o pai lhe beliscava o cotovelo na poltrona apertada do avião - Ai, pai! Eu não consigo clicar nesse. - Meu Deus do céu, Marcela, eu já falei, porra, é aqui e depois aqui. - Aqui, pai? - É, vai logo. - Tô fazendo certo, papai? Silêncio do pai, olhando pela janela o céu ensolarado. - Mamãe, olha, tô jogando baiaio! - Ai, filha, é BA-RA-LHO. Puta merda... - expirando ar quente, cansada e desatenta. A franjinha de Marcela lhe caía aos olhos. Ela se esforçava o máximo que podia para clicar na carta certa que o celular lhe mostrava, mas os números e cores eram confusos, ela não sabia ao certo qual... E se clicasse errado, papai ia beliscar de novo e de novo, e ela não queria. Tentou cutucar mamãe para pedir ajuda escondido, mas ela tirou a mão quando sentiu os dedinhos lh

Saudades da Bahia

O barulho do mar já ia longe, quase não se ouvia. Ele abriu o portãozinho, que rangeu lhe dando boas-vindas. Arrastou o pé com as chinelas já gastas pelo ladrilho do quintal comprido, se esgueirando para passar no corredor estreito sem derrubar os chapéus e redes que tinha na mão. Lá do fundo da casa, veio correndo Preta, com as patas sujas e o pelo desgrenhado. - Ôh, Pretinha, cheguei, minha flô - acariciando a cabeça da cadela. Ela latiu, pulou e se jogou com a barriga para cima, com fome. - Hoje vai sê o mesmo pão de ontem, visse. Não vendi um chapéu que fosse, Preta. Sílvio apoiou os badulaques ao chão, com cuidado, e olhou para o céu. Fechou os olhos que tanto lacrimejavam, cansados da areia. Abriu os ouvidos e ouviu distante um forró animado, com "ooohs" e "aaaahs" de gente feliz. Quase conseguiu sentir o calor emanando dos casais ouriçados e cheios de cerveja. Sorriu pequeno e inspirou. Que saudades da Bahia.