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Mostrando postagens de maio, 2011

Reles Mortais.

Ele surgiu à sua frente, depois de um longo intervalo. Ela abriu os olhos como um passarinho, mas sorriu como um felino. Previsões lógicas. Ele ergueu a mão que segurava a grande faca. Ela não fez objeções , pelo contrário, provocou, dizendo que estava enganado. Ele negou debilmente com a cabeça. Com a lâmina, recortou primeiro seus pés, depois subiu às pernas, descascando a pele delas, enquanto que na virilha fez cortes que deixavam as pernas quase que completamente soltas, como marionetes esquecidas, sem movimento. Chorava de dor e, segundo ele, por ter tanta certeza do que fazia. Ela ficava ali, parada, com um olhar que demonstrava falsa curiosidade, o que o impelia a continuar. E o sorriso que jamais desgrudava -se de seus lábios. Ele fincou a faca no abdôme , vendo o sangue escorrer-lhe corpo abaixo, viscoso, abrindo o apetite dela, que começava a salivar, mas mantinha-se firme, distante. Ele banhou-se no sangue até então obtido, lambuzando o pescoço, os cabelos claros, as sobran

O Oceano.

A porta da pequena sala de aula estava fechada. Eu estava sentada à mesa redonda, corrigindo textos, simultaneamente ouvindo os sussurros de meu iPod . O frio me incomodava, como sempre faz. Eu tinha o torso envolto em três tipos de blusa. Meu cabelo, num coque. Meus olhos, em delineador. Foi então que a introdução de Elephant Gun me atingiu os ouvidos. Vislumbrei o punhal à ponta da mesa. Massacrei meu maxilar, fazendo ambas as fileiras de dentes entravarem uma batalha. O punhal reluzia sob a lâmpada fosforescente . Larguei a caneta e parei de escrever meu comentário sobre o texto de algum de meus alunos. Um oceano inteiro se revirou dentro de mim, revolto por ser represado, tentando alcançar minha garganta. Engoli-o, resistente. Fechei as mãos em punhos e me concentrei no punhal à outra extremidade da mesa, enfrentando-o, bem como as águas que relutantemente tentavam me escalar até meus olhos. Inspirei fundo. Foi meu erro. O ar inalado feez redemoinhos de água: enfraqueci. Ainda

Encardidos.

Estava sentada num dos bancos azul-escuro do metrô . Tinha sobre minhas pernas meu casaco e minha mochila. Eu partia para uma noite inescrupulosa . O gigante metálico estava excessivamente povoado de corpos cansados naquele sábado à tarde. À minha frente, uma mãe com roupas surradas e uma criança por volta dos quatro anos em seu colo, com as sobrancelhas envergadas. O pequenino tinha a pele encardida. Às temporas , subiam-lhe manchas escuras, bem como às maozinhas , com as quais ele tanto esfregava os olhos. Seus lábios incolores se retorciam para baixo, ameaçando o pranto. Ele esfregava, esfregava os olhos, e então esfregava mais um pouco, reclamando palavras soltas, das quais eu só consegui extrair " fome ". Ele estendia os bracinhos ao pescoço da mãe, por sua vez inerte, de olhos fixados no chão do trem. Ela parecia cansada, exausta. Da vida. Meus olhos encheram-se de água, como os da criança, e desviei-os, tentando prestar atenção a outros seres, mas tudo o que eu via er

Vitória Régia.

Um corpo flutuava sobre a quente e calma água. Sob si, nascentes incansáveis e pedras dorminhocas . Acima, um aveludado céu enegrecido, pontilhado de incontáveis estrelas long gone . Não havia barulho que incomodasse o silêncio aquaticamente vítreo. Seus cabelos a rodeavam como uma vitória régia. Seus cílios eram acariciados pelo veludo noturno , e seus olhos, pelas inacreditavelmente belas estrelas. Com os ouvidos debaixo dágua , ouvia a própria respiração, calma. O planeta girava, sereno, enquanto ela vagava pela superfície da água. Continuou boiando por um tempo indeterminado . O tempo já não mais existia, nem suas reflexões. Era só ela e o planeta. Ela fundia-se à natureza, sendo ela mesma a Mãe. Viu-se, então, no fundo do lago, tocando as pedras, quentes pela água, sem esforço algum para manter-se submersa. Parecia pesada o suficiente para afundar. Com olhos bem abertos, tão aquáticos quanto as próprias nascentes, olhou toda a imensidão ao redor de si, aquela vastidão infindáv

Fúria.

Acendeu seu Zippo e pôs fogo na ponta daquele penúltimo Pall Mall . O vento fazia a neve atirar-se ao chão rodopiando em volta daquele amontoado de casacos. Tory estava ali, recostada à mureta , em jeans e coturnos , sob um imenso capuz que cobria seus cabelos e olhos quase tão escuros quanto a própria noite em volta de si. Não fosse pela luminosidade do cigarro, seus contornos seriam imperceptíveis ali. Deu uma tragada e ficou a apreciar o gosto, segurando o palito nos dedos magros, entre o indicador e o médio. Tão silencioso quanto ela, ele surgiu à sua frente. Ela não lhe ergueu os olhos, só terminou o cigarro e jogou o inaproveitável no chão, apagando-o com o solado do coturno . Enfim se olharam. Bruce lhe entregou um par de chaves. Suas peles não se tocaram. Ele era mais alto, chegava a quase 1,90m. Vestia um enorme capuz também, mas seus olhos eram acinzentados, embora tão raivosos quanto os dela. Manuseando o Zippo como de costume, deixou-o para trás e caminhou até a Ducat

Listras.

Uma longa fila esperava de pé no corredor do avião para o desembarque, preguiçosa. De um dos lados da barreira de pessoas cansadas da viagem, uma moça, só, com pernas compridas e morenas, torneadas em shorts listrados e curtos, pés em chinelos, torso em camiseta lisa preta e olhos em delineador preto. Do outro lado, um rapaz alto, de pernas em jeans , tórax em camiseta cinza, cabelos em tons louros e maxilar em barba rala. Ele, porém, não estava só. Sua namorada, presa num corpo insípido e quebradiço, sentava a uma das poltronas, insossa. Por cima do corpo daquele peso morto, ele encarava a moça do outro lado da barreira, infiel em pensamento, com olhos duros. Ela levantou os seus azuis aos verdes dele e sustentou o olhar, provocativa e orgulhosa. Ele olhou bem para a moça escorregadia e sem vida abaixo e, sem titubear, passou por cima de suas pernas, empurrou as pessoas que formavam a fila e a barreira que o separava daquelas pernas escandalosas, causando certa balbúrdia. Ela não par