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Mostrando postagens de 2016

A Deusa

Eu passei pela porta, escolhi uma das raias e fiquei de pé, na frente dela. Joguei meus óculos na piscina e comecei a me alongar brevemente. Percebi, então, dois pares de olhos logo à minha esquerda, mais abaixo. Eu olhei. Eles congelaram. Eram dois rapazotes, de seus 17 ou 18 anos, provavelmente fazendo uma aula teste na piscina, e dividiam a mesma raia. Eles me olhavam estarrecidos. Eu, de pé, acima deles, os choquei.  O olhar deles, estarrecido, sem palavras, me alimentou, e eu cresci. Tinha meus 1,70m. Depois, 2m, 3, 4, 5, 6 metros de altura. Me tornei imponente. Minha forma física e aura tomaram conta da atenção deles de forma que nenhum outro som era ouvido senão o de admiração deles. Uma admiração sem entendimento. Eles me olhavam sem saber o por quê. Era a Deusa que se mostrava por mim. Quebrei o brilho que me rodeava e mergulhei, nadando como eles nunca viram outra humana nadar. Ficaram completamente estancados, embasbacados.  Eu fui Igraine, Morgause e Morgaine

Über?

Eu estava bem irritada, porque havia esperado uma carona e não tinha dado certo, então, além de sair atrasada, ia ter que pagar por um Uber. E tem outra, tava garoando. Aquele clima horrível de fim de tarde em São Bernardo. Ah, foi me irritando também o fato de passarem os minutos e o cara não chegar pra me buscar, o GPS do Uber tava bagunçado, então já viu... Enfim, chegou. Emerson, chamava. Num Honda City bem confortável, por sinal. O caminho do escritório pra minha casa não durava mais que 15min, mesmo. Eu realmente não sei como, mas ele começou a me contar que havia voltado da Alemanha nesse ano. Ele teve um restaurante aqui em São Paulo durante 30 anos. Tinha se casado por aqui e teve até um neném! Quando o bebê tinha por volta de um ano, eles resolveram vender tudo e simplesmente ir morar em Düsseldorf, onde ele abriu um café e eles viveram durante 2 anos. Eles acabaram se separando e ele voltou para "resolver algumas pendências aqui", sobre as quais, claro, eu

Mendigos.

Ele era o que chamamos de mendigo. Um dos mais pobres. Sentava numa mureta da esquina, com as roupas maltrapilhas e malcheirosas, rotas. Tinhas a muletas também apoiadas à mureta, enquanto descansava sua única perna. Tinha uma toca à cabeça e cabelos muito ralhos e grisalhos. A vida não lhe tinha sido leve. Tinha o feito sujo, desgraçado e pobre. Muito pobre. À sua frente, contudo, sentava um cachorro. Um vira-lata, assim como ele mesmo. Com o pelo indefinido e até meio grisalho. Se postou ali e ali ficou. Sentado, encarando o mendigo. Encarando. Encantado. Sua admiração crescia e crescia, naqueles pequenos olhinhos cintilantes. Era tão visível que arrancou do mendigo um grande sorriso. O mendigo lhe estendeu a mão. Ele lhe estendeu a patinha direita em retorno. Os dois ficaram se encarando, de mãos dadas, infinitamente. Os dois seres mais ricos do mundo.

Aos trancos, pro barranco?

O pé ia mais e mais fundo no acelerador. Trocou de marcha rápido. Passou a mão esquerda pelo lábio e a viu se encher de sangue. Puta merda... Puta merda. Segurou o volante com a mão direita e, com a ensanguentada, rolou a tela do celular. O carro ia aos trancos pra frente, até desembocar na rodovia. O jeans rasgado ao joelho direito e mais sangue lhe escorrendo pela têmpora. Os 130km/hr pareciam não dar conta de deixar aquele pesadelo pra trás. Ela tinha feito de novo!! Puta que pariu! Ele meteu o pé no freio e encostou na beira da rodovia, perto de um córrego. O mau cheiro lhe estapeando e a noite ficando mais escura. Desceu do carro e acabou deixando a porta manchada de sangue ao batê-la. O sinal do celular não voltava. VOLTOU! Ele apertou logo o botão de chamar e aguardou alguns segundos. Enquanto aguardava, limpou a mão de sangue no jeans e passou o braço da jaqueta na boca e na têmpora, secando o sangue dali. - PORRA, achei que não fosse atender. Ela... De novo... N

Delorean

O céu estava azul claro, quase cinzento, mas com a promessa de alguns raios de sol, como há muito não prometia. O vento beijava de leve a janela do espaçoso e tranquilo apartamento. Ela apoiou as duas mãos no parapeito daquela janela, que servia de apoio pra algumas almofadas e já tinha servido de cantinho da leitura. A cidade se estendia à sua frente, meio cinza, mas com muitas árvores. Ela girou a cabeça devagar num sentido e depois, no outro. Bocejou e se esticou, ainda despertando. O cheiro de café lhe aquecia. A cidade continuava se estendendo, bem como seus pensamentos. Inspirou devagar e sorriu de canto... Pensar que, há alguns anos, achava que aquilo jamais aconteceria, que ela nunca nunquinha estaria ali... Riu de leve, sozinha, e bocejou mais uma vez, desdenhando da própria inocência. Com achou que não conseguiria? Mais cheiro de café. Passos leves, descalços, com um leve arrastar de moletom pelo chão lígneo. Ela sentiu os braços fortes e quentes a envolverem por

Raia.

Azul claro. Azul claro, mas a faixa, no meio da raia, era quase roxa. Um, dois, três, quatro, cinco e respira. Um, dois, três, quatro, cinco e respira. Um, dois - roxo - três, quatro - azul piscina - cinco e respira. Um, dois - roxo escuro? - três, quatro - azul escuro! Uma lâmpada, lá em cima, estourou. Algumas faíscas caíram na piscina. Metade dela ficou desiluminada. Parou de nadar e afundou o corpo um pouco. Olhou em frente. Azul escuro e cinza. No light. A água esfriou e o ar já tinha deixado completamente seus pulmões.  Bateu as pernas desesperadas à frente, tentando se impulsionar no sentido contrário em que vinha. Rápido, rápido, bate perna, bate perna, nada!! NADA?! Tentou alcançar a superfície da água. Via o reflexo distorcido do professor conversando com um outro aluno. Tentou gritar, mas só bolhas saíram. Dedos. Dedos muito, muito gelados e viscoso em sua canela direita. Adeus.

Caro doutor.

(Disclaimer: esse é um rascunho meu de 2016. Achei bobo e puro. Não quis mais guardar. Vá.) - Sabe, doutor, eu tenho tido essas bolinhas na cabeça. - Ah, é mesmo? Deixe-me dar uma olhada. Ele levantou e começou a revirar os cabelos dela. Voltou pra mesa com um ar de grave preocupação. - Doutor, o que foi? Ele escrevia fervorosamente uma receita e já não a olhava. Apertou um botão que ficava na ponta de sua mesa. Duas enfermeiras entraram. - Doutor, o que é isso?! - a mais pura agonia - Você está começando a pensar, minha cara. Pare. Uma injeção na coxa. Escuro.

Tristeza.

Tita ia à padaria do seu Mateu todo domingo pela manhã. Neste, não foi diferente. Exceto pelo que houve lá dentro. Ela já tinha passado dos 80 anos, mas ainda andava e ouvia bem. Seu único problema era que seu maior defeito, o de nunca querer falar sobre seus sentimentos, havia se tornado de fato uma doença: não conseguia mais falar. Pediu os pães e também um doce que comeria depois do almoço e aguardou, perto da janela. Um rapazinho entrou correndo e foi logo pedindo ao seu Mateu o que queria. Ele era esguio e tinha os cabelos bem lisos, castanhos. Quando foi perguntado sobre que sabor de pão recheado ele queria, ficou na dúvida. Se voltou pra trás e gritou: - Dona Carolina, que sabor mais te apetece? Tita buscou, ávida, pela mulher que deveria responder. Esse nome sempre a deixava sobressaltada. Seus olhos a encontraram, apoiada numa cadeira, olhando algumas revistas. Ela não havia ouvido o rapaz. Como sempre, não ouvia. Ele se aproximou dela e repetiu a perg

Nair.

Ela dirigia uma Spin. O banco bem puxado pra frente, pra alcançar pedais e volante. Tinha um celular Android e o aplicativo da 99Taxi. Chamava voucher de "vaut" e tinha um anel no dedo anelar da mão direita - não sei dizer se era uma aliança, nunca fui boa em diferenciar isso. Sua pele era escura e suas mãos, pequenas. Seu cabelo ia curto, até um pouco rente à cabeça, e seus olhos eram jabuticabas, mas daquelas que ainda não adoçaram. Não confiava no GPS, mas tinha São Paulo na palma da mão. Não puxou muita conversa, mas também não ficou muito calada. Nos levou daqui até ali, reconhecendo cada rua, até mesmo aquela tal Relíquia. Queria saber onde mora Nair. Queria saber se tem filhos, se gosta de tomar café ou que cor acha que vai bem com sua pele. Gosto de imaginar, contudo, que chega sempre em casa tarde da noite, porque dirige um táxi de madrugada, que seus dois filhos, Bruno e Débora, deixam sua janta pronta no micro-ondas, e que a foto do pai deles

Nenhum.

Tenho em frente a mim uma luminária antiga, uma Barbie Ariel ainda na caixa, um cofrinho do Pluto que uso desde minha quinta série e uma ovelha que comprei na viagem a Gramado. Ah, e, claro, meu celular emitindo músicas de uma playlist do Spotify que escolhi (meio melancólica, devo admitir). Tenho pensado em por que me leva tanto tempo pra voltar aqui pra escrever. Acho que tem algo a ver com o fato de que toda vez que abro esse blog, me sinto nauseada. Sinto como se precisava chorar, vomitar, continuar lendo até chegar no osso, sem parar de chorar e me mutilar. Parece que entro de cabeça num mar gelado e denso, com as mesmas palavras de sempre, com os mesmos sentimentos e mesmos ângulos. Aliás, acaba de me passar pela cabeça que talvez eu devesse guardar esse aqui numa caixinha e inaugurar um blog novo. But that's not how life goes, right... Would that be cheating? I have no fucking clue... Eu perdi a prática de escrever. Quer dizer, nem sei se algum dia prestei pra is

6.

6 meses. Exatos 6 meses desde minha última postagem por aqui. Exatamente hoje, 6 meses. Metade de um ano que passei sem escrever um pio. Me ocupando com outras atividades, fingindo ser eu mesma em outras coisas, quando tudo que realmente me é bom é a pena tecla. Trago-me de volta aqui, na esperança de mais um suspiro de literatura para meus dias. Quem sabe... É, quem sabe eu volte a me virar do avesso por aqui. E espero que não leve mais 6 meses.