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Mostrando postagens com o rótulo Insanity

Vá.

A cabeça era um espiral só. Uma névoa tão grande por detrás dos olhos que mal se via no espelho que ficava à sua frente. Sentada na cama, ainda lhe parecia que faltava o chão. Os mesmos questionamentos, todos os dias, pelo milésimo dia consecutivo. Por quê? Pra quê? Pra quem? Até quando? Já não aguentava mais. Pois levantou-se num impulso único, deu seus passos pesados, passou a mão na chave do carro e na jaqueta, e bateu a porta atrás de si. Foi-se.

Über?

Eu estava bem irritada, porque havia esperado uma carona e não tinha dado certo, então, além de sair atrasada, ia ter que pagar por um Uber. E tem outra, tava garoando. Aquele clima horrível de fim de tarde em São Bernardo. Ah, foi me irritando também o fato de passarem os minutos e o cara não chegar pra me buscar, o GPS do Uber tava bagunçado, então já viu... Enfim, chegou. Emerson, chamava. Num Honda City bem confortável, por sinal. O caminho do escritório pra minha casa não durava mais que 15min, mesmo. Eu realmente não sei como, mas ele começou a me contar que havia voltado da Alemanha nesse ano. Ele teve um restaurante aqui em São Paulo durante 30 anos. Tinha se casado por aqui e teve até um neném! Quando o bebê tinha por volta de um ano, eles resolveram vender tudo e simplesmente ir morar em Düsseldorf, onde ele abriu um café e eles viveram durante 2 anos. Eles acabaram se separando e ele voltou para "resolver algumas pendências aqui", sobre as quais, claro, eu ...

Raia.

Azul claro. Azul claro, mas a faixa, no meio da raia, era quase roxa. Um, dois, três, quatro, cinco e respira. Um, dois, três, quatro, cinco e respira. Um, dois - roxo - três, quatro - azul piscina - cinco e respira. Um, dois - roxo escuro? - três, quatro - azul escuro! Uma lâmpada, lá em cima, estourou. Algumas faíscas caíram na piscina. Metade dela ficou desiluminada. Parou de nadar e afundou o corpo um pouco. Olhou em frente. Azul escuro e cinza. No light. A água esfriou e o ar já tinha deixado completamente seus pulmões.  Bateu as pernas desesperadas à frente, tentando se impulsionar no sentido contrário em que vinha. Rápido, rápido, bate perna, bate perna, nada!! NADA?! Tentou alcançar a superfície da água. Via o reflexo distorcido do professor conversando com um outro aluno. Tentou gritar, mas só bolhas saíram. Dedos. Dedos muito, muito gelados e viscoso em sua canela direita. Adeus.

Tristeza.

Tita ia à padaria do seu Mateu todo domingo pela manhã. Neste, não foi diferente. Exceto pelo que houve lá dentro. Ela já tinha passado dos 80 anos, mas ainda andava e ouvia bem. Seu único problema era que seu maior defeito, o de nunca querer falar sobre seus sentimentos, havia se tornado de fato uma doença: não conseguia mais falar. Pediu os pães e também um doce que comeria depois do almoço e aguardou, perto da janela. Um rapazinho entrou correndo e foi logo pedindo ao seu Mateu o que queria. Ele era esguio e tinha os cabelos bem lisos, castanhos. Quando foi perguntado sobre que sabor de pão recheado ele queria, ficou na dúvida. Se voltou pra trás e gritou: - Dona Carolina, que sabor mais te apetece? Tita buscou, ávida, pela mulher que deveria responder. Esse nome sempre a deixava sobressaltada. Seus olhos a encontraram, apoiada numa cadeira, olhando algumas revistas. Ela não havia ouvido o rapaz. Como sempre, não ouvia. Ele se aproximou dela e repetiu a perg...

Laranja.

O barulho lânguido da água se acalmando e a luminosidade escassa me envolviam. Acima da superfície, somente meus olhos. Abaixo, o corpo inteiro imerso naquela massa morna e líquida. Ao longe, o som dos animais notívagos se escondendo em arbustos. Observei o topo do manto de água balançar devagar. Afundei e olhei à direita. Um enorme e majestoso crocodilo me encarava, preguiçoso. Seus olhos brilhavam arroxeados, e a cauda jazia estática. À minha esquerda, mais deles se aproximavam, nadando rápido, assustados. A massa de água me empurrou inevitavelmente para mais perto de onde o primeiro deles deitava. Ao tentar me esquivar, percebi que ele já havia fugido também. Com toda a rapidez que se pode ter no ambiente submerso, voltei à esquerda. Das profundezas daquele canto, a água se deslocava ainda mais rápido e mais forte, me empurrando, e dois pontinhos alaranjados, mais brilhantes que o dos crocodilos, se aproximavam numa velocidade nauseante. Tomei impulso nos azulejos atrás d...

Dancing in the rain.

Ele olhava para a água caindo sobre sua cabeça e espirrando pelos azulejos. Ela o olhava encantada. Vidro separava os corpos postados de pé. Ela abriu a porta de correr, pisou no chão molhado e um pouco escorregadio e voltou a correr a porta para não deixar molhar o resto do cômodo. Ele sorriu pra ela, enlaçou-a pela cintura com o braço esquerdo e, com a mão direita, segurou a dela. - Vamos dançar - ele disse. Ela riu da ideia, mas se deixou levar pelos passos leves, molhando os cabelos enquanto dava as vagarosas piruetas. O banheiro girava em câmera lenta e a água caía morna. Seu estômago também rodopiava devagar, mas era uma sensação deliciosa. Ao fundo, o som da TV ligada no quarto sussurrava. O sorriso dos dois formavam luas minguantes. Ela desejou com força que ele a continuasse girando e girando e girando. Se apaixonou por aquela tontura. Natália Albertini.

Rock. And. Roll.

O barulho da multidão era espalhafatoso, ouriçado . Ele pulou com um pé de cada vez e olhou para o palco, ali detrás dos panos, pronto, esperando para sua entrada triunfal. O instrumento vibrou, tão ansioso quanto o público. Chacoalhou a cabeça com os olhos apertados. Virou pra trás e viu os colegas relaxando o corpo, se alongando e respirando mais fundo, o de sempre. Voltou a olhar a iluminação do palco, sentiu na pele a ansiedade das quarenta mil pessoas ali, próximas, e fez uma das cordas da guitarra vibrar. A multidão foi ao delírio. Olhou para os companheiros, esperando a confirmação de cabeça de cada um. Todos pronto. Respirou fundo. Outra vez. Disparou para o palco, onde quase não ouvia o som da própria guitarra, mediante aos gritos de clamor daquela multidão. Rock and roll . Ps .: Whitesnake foi! *-* VEM, SYSTEM ! Natália Albertini .

Cicatrizes de fogo.

Eu corria as fast as I could . Minhas coxas levavam chibatadas, quase não aguentavam mais. Eu corria, corria, corria. O suor me brotava na nuca, gelado de cansaço. E de medo. Eles estavam atrás de mim. DE MIM! E gargalhavam à minha volta, invisíveis no escuro denso. Meus pés começaram a falhar, mas a inércia ainda não era forte o suficiente para fazê-los parar. Forcei-os mais. As gargalhadas endemoniadas enchiam o ambiente invisível. Era como se eu estivesse vendada e eles rissem ao pé de meus ouvidos, muito próximos, me puxando pelos pulsos, me ordenando que eu ficasse. Os toques e puxões que eu recebia nos pulsos pareciam me queimar a pele. Meus olhos estavam arregalados, meu peito, arfante. Meu corpo pedia descanso, embora a corrente de adrenalina fosse gigante. Me perdia em desespero, pressa, agonia. ELES ESTAVAM EM VOLTA DE MIM, PRESTES A ME PEGAR. Um calor insuportável se alastrava, meu corpo parecia em chamas. Aquela temperatura altíssima e muito vermelha se espalhava pelo ...

Semi.

Ele recostava-se ao balcão, com uma cerveja em mãos, olhando o mundo do topo, já que era suficientemente alto para tanto. Não movia-se muito, só analisava as mortais que dançavam. Flitching glimpse . Uma semi -deusa à sua esquerda. Ele, sem perder a compostura, encarou-a passando logo à frente. Ela era mais baixa que ele, tinha os ombros e as pernas, voluptuosos, à mostra, convidativos. Seus olhos a percorreram de cima a baixo. Ela percebeu, mas não mostrou qualquer reação , a não ser esbarrar nele de modo fingidamente ocasional, fazendo os corpos se tocarem por milésimos, faiscando. Ele a seguiu com os olhos até ela sumir na multidão. Balançou a cabeça de leve, recuperando-se, voltando a seu patamar. Entretanto, nenhuma outra dali era tão interessante quanto aquela. É claro, porém, que suas expressões não demonstravam nem vislumbres do conflito interno. Foi quando, de súbito, ela voltou e se postou à sua frente, muito próxima, furiosa. Eles sustentaram um olhar flamejante, sangue e f...

Queima.

Saiu do prédio em direção à rua, com a blusa meio caída ao ombro esquerdo. No outro, a bolsa pendurada, aberta, de onde ela tirava o celular com mãos frescas. Uma mulher menos corpulenta e juvenil que ela a parou: - Por favor! Atenciosa, levantou os óculos-de-sol, fazendo com eles uma tiara aos curtos mas pesados cabelos alaranjados. - Pois não? - sua voz era adocicada e prestativa. - Qual é o número do apartamento da síndica? - 12, se não me engano, senhora - os cílios pôr-do-sol. A mulher de meia idade sorriu, singelamente agradecida, e completou: - Que Deus te abençoe! Já se afastando, o pequeno raio de Sol engoliu aquelas quatro palavras como se fogo lhe descendo a garganta. Os olhos flamejaram e teve uma comichão nos braços, quase deixando a subpele vermelha subir à tona. Malditos. Malditos fossem! Jogando suas bênçãos aos ventos, a aqueles que mais as desprezavam e odiavam. Fez os olhos saírem do vinho e voltarem ao cinza, indiferentes, gélidos. Voltou-se a seu propósito maior. E...

O veneno.

De maneira muito rápida e confusa, como um flash , o barman colocou os dois pequeninos copos sobre o balcão. Embora um fosse loiro e cheio de cachos e o outro, moreno de sutis curvas, ambos os cabelos andavam, durante toda a noite, meio revirados, bagunçados , eufóricos. Um par de ombros altos e largos falavam com as duas moças pela esquerda, enquanto outro, de camisa xadrez, as enlaçava pelas cinturas. Quando as duas se voltaram ao balcão, o líquido dourado já transbordava dos copinhos , enquanto fatias de limão e algum sal lhes eram empurrados. Enquanto batidas ensurdecedoras da música contagiavam-lhes os corpos, nunca imóveis, e viam faixas de luzes de todas as cores cortarem-lhes a visão, se entreolharam . Ali, naquela fração de segundo, por mais embriagada que fosse, os olhos, os marrons e os azuis, viram-se lilás. Viram-se sintonizados, gratos, famintos e atiçados. Sorriram compreensivamente uma para a outra e, juntas, lamberam o sal das mãos, entornaram os pequenos copos de...

Quatro asas.

Livros, cadernos, lápis e canetas scattered on the table . Bzzzzzzzzzz . Ela estudava arduamente. Bzzzzzzzzzz . Escrevia, lia, anotava, relia, falava sozinha e escrevia mais um pouco. Um post - it aqui e um marca-páginas ali. Bzzzzzzzzzz . CAZZO ! , ela pensou enquanto procurava pela maldita abelha! na cozinha. Achou-a voando ao redor das três lâmpadas fluorescentes . Angustiada e brava, simultaneamente , com o zunido incessante daquele inseto , encarou a pequena abelha furiosamente. Bzzzzz...zzzzzz...zzzzzzz. Foi quando aquela minúscula bolinha amarela e preta sentiu suas asas falharem por alguns instantes e começou a girar no ar, caindo na direção dela, à mesa. Caiu, impotente, a seus pés, sem conseguir levantar voo do chão. Ela sorriu de canto, divertida com o acontecido, e bateu com o chinelo sobre a zunidora do inferno! . Duas ou três horas depois, ela continuava à mesa, persistente em seus estudos. Tiriti . Lia mais um pouco, anotava nos livros. Tirititi . Colava os post -...

Ela queimava.

O ambiente era iluminado somente pelas três ou quatro velas acesas, avermelhadas. Ela estava sentada ao meio do cômodo , só de calcinha e uma regata branca. Os cabelos iam bagunçados , confusos, assim como sua mente. Era rodeada por cartas escritas numa caligrafia corrida e não muito caprichada. Ela lia e relia aquelas palavras já tão conhecidas às duas e meia da madrugada daquela quinta-feira. Coçava a cabeça, passava as mãos pela cintura, lambia os lábios. Os olhos queimavam junto com a tequila escorregando sua garganta. Cada gole servia para calar sua boca. Por fim, se levantou, meio embriagada, vestiu seus jeans e chinelos. Jogou o resto da tequila em toda aquela papelada. Alcançou seu maço de cigarros ao chão. Pegou um palito de nicotina e o acendeu com seu Zipo . Então, jogou o isqueiro às cartas e deixou o apartamento. Todas as cartas que ela nunca mandou estalavam ao fogo. Ela queimava. Natália Albertini .

Bandeira vermelha.

No ônibus , estava sentada a um banco ao lado da porta de trás. Vestia uma saia que lhe ia até o meio das canelas, preta, meio enrugada, que lhe avolumava os quadris e ressaltava-lhe as pernas. Um sapato de meio-salto e uma regata vermelha. Nada às mãos, exceto alguns anéis e pulseiras. Os olhos longínquos miravam o sol. Do primeiro banco, levantou-se ele. Caminhou até a porta traseira. Era alto, vestia calça risca de giz, cinza, e camisa meio aberta, preta. Os ombros cresciam largos, e os antebraços deixavam veias à mostra, bem como pulsos brutos. O pescoço subia rude, rasamente barbado. O maxilar ia largo, quadrado, e os olhos... Bem, os olhos prenderam-se nela por alguns instantes, sem fazê-lo perder o equilíbrio, contudo. Ela tomou consciência da figura altiva, e fez com que os olhos se resvalassem, faiscando, propositadamente. Por cima do ombro direito, ela percebia que ele a olhava incessantemente de soslaio. Ela, satisfeita, sorria de canto, sem lhe dirigir outro olhar, orgulh...

Veludo adocicado.

Ele fez um sinal com o indicador, mandando-a se aproximar. Ela obedeceu. De lingerie preta e rendada. De gatinhas. Ele abriu mais as pernas, ouvindo a calça de couro estalar. Ela chegou até ele, apoiou as mãos sujas em seus joelhos e se pôs de pé com alguma dificuldade. Embora tivesse uma das maçãs do rosto dilacerada, sorria de maneira felina e sensual, com olhos de pantera. Ajeitou-se e sentou em seu colo. Enquanto ele sussurrava um vocabulário barato e imundo, ela lhe dava a melhor lapdance de sua vida. Rebolava de forma a encaixar os quadris e passava as unhas afiadas por seu tronco desnudo e esbranquiçado . Os dois sorriam enquanto faziam as línguas se entrelaçarem. As unhas dele eram tão pontiagudas quanto as dela. Assim, partículas de pele eram arrancadas das costas, dos ombros e dos peitos de ambos. A escuridão dava espaço para seus corpos avermelhados, cheios de apetite. Ele ergueu a mão e puxou violentamente os cabelos dela, fazendo-a envergar o delgado pescoço para trá...

Caninos ruminantes.

Suas roupas estavam encardidas de vermelho, enquanto ele já nem mais as tinha. Ele estava deitado no chão, preso em posição desconfortável, amarrado pelas mãos e pelos pés. Ela percorria-lhe o corpo, faminta. Enfiava a mão de unhas roídas pela boca dele para facilitar o ato de lhe arrancar outro pedaço de língua. Sentava-se a seu lado como uma primata, mastigando aquele naco, satisfeita. Sentindo aquele gosto esponjoso esparramar-se por suas gengivas, emitindo o mesmo som de um leão que mastiga um veado. Voltava a agachar-se sobre aquele corpo já tão mutilado, reabrindo os cortes e enfiando a língua nos músculos já devorados. Seu pescoço, seus ombros, suas mãos e seus antebraços inteiros tinham aquele visco rubro escuro já seco. Ela por vezes lambia os próprios dedos. Ele tinha os olhos fechados, em profunda agonia, e o corpo berrando em derme aberta Ela já tinha ruminado boa parte de seu corpo e adorava sua expressão de sofrimento. Tomava mais visco numa taça longa. O sangue passava, ...

Azulejos.

A rasa luz prateada da meia-noite lambia os azulejos da cozinha. Ela tinha os olhos injetados, vermelhos, os cabelos revirados e os dedos tamborilando a mesa. Levantou de súbito e abriu a primeira gaveta do balcão de forma violenta e descuidada, fazendo todos os talheres e a própria gaveta caírem ao chão, embaralhados. Com mãos trêmulas, ela achou a maior e mais afiada das facas. Com as costas na parede, sem parar pra repensar sobre aquilo, ela levou a lâmina à altura do queixo e, sem conseguir fechar os olhos, rasgou o pescoço da esquerda à direita num movimento brusco só. Os membros enfraqueceram, o corpo tremeu convulsivamente até cair sentado desconfortavelmente no chão branco, agora tingido com aquele visco rubro-negro. O luar dava um brilho poético e apetitoso para a cena suicida. Ps.: dica de música pra acompanhar esse texto: Internal Primates Forever, do Mudvayne. Ps2.: cansei de brincar de amigdalite, comofäs// Natália Albertini.

Lençóis amarrotados.

A noite estava quente e chuvosa. O cabelo grudava em sua testa, rosto e nuca. Retorcia-se na cama, suando frio, com os olhos apertados, sem conseguir abri-los. As mãos daquele corpo de alma presa em seu próprio subconsciente agarravam os lençóis com força. A respiração era ofegante e seca. Os lábios se retraíam sobre os caninos pontiagudos. Começou a expelir gemidos e tosses que lhe arranhavam a garganta. O pesadelo era demasiado intenso e realista para fazer aquele corpo submeter-se a tamanha agonia. Homens corriam e invadiam a casa. Sua irmã jazia no chão, inconsciente. Ela corria atrás deles com o telefone em mãos, tentando digitar o número do pronto atendimento policial. A sequência numérica 190 lhe vinha à mente, mas os dedos escorregavam no aparelho. Embaralhavam-se e tropeçavam, sem conseguir digitar corretamente . As unhas fincadas nas palmas da mão, aflitas. Correu ao quintal com uma arma empunhada, surgida de sabe-se lá onde. Alcançou os invasores, mas a este ponto a arma já...

Lost wings.

Eu aqui passando as fotos do dia de hoje, clicando vagarosamente nas setas do teclado. Abro a pasta de todas as fotos depositadas na câmera, decido ver as do último Natal, já que a primeira delas parece tão feliz. De repente, um murro em minha cara, me enchendo a boca de sangue. Uma foto da tia ao seu lado. Você, atrás dos seus óculos, com sua camisa listrada e sua blusa de lã por cima, sentado no seu lugar de patriarca da casa tão costumeiro. E a tia ali, ao seu lado, como sempre. Você sorri com os olhos e com os lábios, e tem as mãos entrelaçadas, como bem as lembro. Um chute em minhas costas, me empurrando abismo abaixo. Recordações e pesares rodando em minha mente. Eu caindo. Inconformada, tento entender que você, nunca mais. Que sua casa, talvez, nunca mais. Mas nada disso faz sentido, nada disso tem a ousadia de tomar forma em minha mente. Nada. Nunca. Eu caindo. Vontade de pegar o cortador de unhas, te fazer sentar à varanda, tirar seus chinelos e lhe cortar as longas unhas. Von...

Arranha-me.

A vitrola arranhando o vinil de Smith. Corpos mornos e lânguidos entre as mesas, movimentando-se melodiosamente. Cervejas não tão geladas em copos gordos, pedaços de porco frigindo nas panelas. Cadeiras e mesas rústicas, lígneas, firmes, bem como as pernas de muitas das moças dali que expunham os belos corpos em curtos shorts. Cabelos longos e molhados de suor. Rapazes sentados com as pernas abertas. Moços erradamente abotoados. Cabeças no ritmo da canção. Chapéus abanando os pescoços delgados e escorregadios. Sorrisos felinos. Noite estalada, quente. Corpos abusadamente carnais. Ps.: WTF?! Ps.: Baby, It's You, from Smith. Natália Albertini.