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Ecos

Quando eu o vi, eu não sabia. Eu não sabia. Não tinha como saber - eu nem o conhecia. Também se conhecesse, não sei dizer se o haveria reconhecido. A escuridão era rasgada por raios roxos, verdes e vermelhos intermitentes, acompanhando sons profundos e graves que vinham do palco. A música que vinha de lá não era muito inteligível, mas o modo como Alma mesclava a guitarra e vocais aéreos com ecos e algum teclado tornava tudo um pouco onírico. As cordas da guitarra rebombavam nas caixas de som e faziam meu peito afundar. Foi ali, recostada a uma parede bem ao fundo, que o vi. Ele era baixo. Tinha a cabeça recém-raspada, orelhas meio protuberantes e ombros tensos. Eu não sabia o que lhe passava pela cabeça. Ele pediu uma cerveja e se encostou no bar, um pouco à minha frente. Pude ver que ele tinha uma barba rala e bem loira, mal se distinguindo de sua pele tão branca. Tinha um nariz meio comprido e dedos curtos, se agarrando ao copo de pint. Eu sinceramente não sabia que ele se sentia daq

O abraço.

  Uma nuvem pairava ao longe. Ela caminhava devagar pelo céu azul. Até parecia o... É, parecia o chapéu de Lewis. Aquele que ele gostava de usar quando saía pra caminhar pelo parque. Ele dizia que ajudava a se camuflar no meio do bosque, e por isso acabava conseguindo avistar mais pássaros. E como ele amava os pássaros! Desde que eram crianças e fingiam que o jardim da mamãe era uma floresta... James respirou fundo, demorando a se desvencilhar da nuvem e daquelas memórias, mas quando finalmente desviou o olhar, voltou-se para seus velhos dedos enrugados, as unhas amarelas, pendendo do dispenser de moedas do telefone. Era uma sensação engraçada estar ali naquela cabine telefônica. A porta fechada atrás de si abafava todo o som da grande avenida, e o deixava observar. Ele então observava. Segurando o telefone à orelha, ele olhava pelo vidro da cabine. Via muita vida lá fora, e sentia pouca ali dentro. O ar era parado e pesado. Seus pulmões demoravam a se encher, parecia. Havia um cheiro

Só.

  - E você, pequena? Que quer ser quando crescer? Primeiro, ela olhou para mamãe, que estava conversando com a tia Ju mais ao longe. Depois, olhou ao redor, observando vovô e vovó num canto, papai no outro, e ouvindo as vozes do resto da família animadas mais ao longe, na cozinha. Então voltou para quem lhe havia feito a pergunta e respondeu, certeira: - Só. Quero ser só.

Nº 12.

  O Sol já ia se pondo quando Rafaella deu tchau para os hóspedes. Eram em três: um casal e um amigo. Todos muito simpáticos. Deram tchau mais de uma vez, acenando de longe, e se encaminharam para a avenida principal. Ela então se virou e caminhou de volta para o prédio. Subiu as escadas sem pressa, brincando com as chaves na mão. É, eles foram hóspedes bem agradáveis. Como será que era a vida deles longe dali? Será que eles eram sempre felizes daquele jeito? Eles pareciam tão jovens, alegres, cheios de vida e... Abriu a porta pesada de madeira. Andou pelo apartamento, ajeitando coisa e outra. Empurrando uma cadeira aqui, fechando uma janela ali. Não precisava fazer muito porque em breve Tatiana viria ajudá-la com a faxina. Antes de fechar a janela da sacada, ela se permitir sentar ali, apreciando a vista. Conseguia ver uma nesguinha do mar ao longe. Apoiou os braços na cabeça e esticou as pernas, respirando devagar. Era uma sensação boa sentir a maresia lhe beijar a pele assim. Ficou

Um café amargo

     Tomava meu café e, para matar alguns minutos que tinha livres, rolava meu Instagram devagar, lendo algumas postagens e ignorando outras.      Ultimamente, criei o hábito de, a cada foto que vejo, me perguntar se de fato conheço aquela pessoa e se faz alguma diferença saber o que passa em sua vida. Se a resposta é sim, deixo-a ali, até que me questione em algum  outro momento. Se a resposta é não, vou até seu perfil e não só paro de seguir-lhe como a removo dos meus seguidores.     Normalmente, é um processo indolor, porque as respostas costumam ser bem simple: sim ou não.     Contudo, nessa manhã, vi uma foto de Angélica.     Era seu aniversário. A foto a mostrava muito feliz e toda sorrisos,  cantando parabéns atrás de um bolo elaborado. A legenda era um tanto clichê (mas quem de nós é que não é?) e os comentários me pareciam vazios.     Ela fazia 34 anos. Agora tinha o cabelo um pouco mais curto, mas o sorriso ainda era o mesmo.     Vê-la feliz daquele jeito me fez sorrir involu

Picolé de uva

    7 da manhã - tocou o despertador.     Zé Henrique abriu os olhos e encarou o teto do seu quarto, já claro. Respirou fundo e tentou por poucos segundos se concentrar naquele teto acinzentado.      Hoje era o dia.     Se sentou na cama e esfregou os olhos. Calçou os chinelos gastos e se levantou. Abriu as cortinas rasgadas que pouco escondiam o quarto do sol intenso.     Saiu do quarto e deu de cara com Margarida. Ela latiu e começou a pular, feliz em vê-lo acordado.     - Ô, Dinha, bom dia!     Logo, Pitú e Carimbo se juntaram à festa matinal, enquanto Zé botava a água do café pra ferver e pegava uma bolacha de água e sal no armário sem porta.     Toda manhã, era uma balbúrdia. Os cachorros amavam Zé. No meio daquela barulheira, contudo, ele ainda sentia falta de um som...     - Ah, não. Hoje não. Hoje é o dia, Dinha!! É hoje! - ele espantou o pensamento, brincando com os cachorros e se distraindo com sua rotina matinal.     Depois de tomar seu café preto no copo de requeijão, enche

18

Ela olhou no relógio, impaciente, balançando o pé da perna cruzada, enquanto olhava pra TV, sem prestar atenção. Alguns minutos depois, olhou de novo no relógio: dez e meia da noite! Ah, não, agora já era demais. Levantou bruscamente e marchou até o quarto de Ana Paula, abrindo com força a porta: - Ana Paula, pelo amor de Deus! Que horas vamos sair?! São dez e meia, filha! Ana terminou de passar o rímel, correu para desligar a música que tocava alto,  borrifou o perfume, se olhou uma última vez no espelho e enfim olhou pra mãe, sorridente: - Agora, vamos, vamos! Abraçou-a por trás enquanto a empurrava de volta para sala, dançando, brincalhona, mas Regina estava bem impaciente e andou dura até a cozinha, pegou a chave do carro e gritou: - Fernando, estamos indo! - Tchau, pai! - Ana Paula gritou. - Tchau, filha, boa festa! Regina revirou os olhos. Ele deveria reprovar isso tudo! Onde já se viu… Saindo de casa às dez e meia da noit