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Mostrando postagens com o rótulo Mundos paralelos

Marcela

Tinha um ás, um valete e um quatro de copas em mãos.  Os casais à sua frente riam e jogavam suas cartas, felizes de vinho. Ela sorria junto, mas a mente começava a divagar. - Marcela, joga logo! Eu já falei! - o pai lhe beliscava o cotovelo na poltrona apertada do avião - Ai, pai! Eu não consigo clicar nesse. - Meu Deus do céu, Marcela, eu já falei, porra, é aqui e depois aqui. - Aqui, pai? - É, vai logo. - Tô fazendo certo, papai? Silêncio do pai, olhando pela janela o céu ensolarado. - Mamãe, olha, tô jogando baiaio! - Ai, filha, é BA-RA-LHO. Puta merda... - expirando ar quente, cansada e desatenta. A franjinha de Marcela lhe caía aos olhos. Ela se esforçava o máximo que podia para clicar na carta certa que o celular lhe mostrava, mas os números e cores eram confusos, ela não sabia ao certo qual... E se clicasse errado, papai ia beliscar de novo e de novo, e ela não queria. Tentou cutucar mamãe para pedir ajuda escondido, mas ela tirou a mão quando sentiu os dedinho...

Saudades da Bahia

O barulho do mar já ia longe, quase não se ouvia. Ele abriu o portãozinho, que rangeu lhe dando boas-vindas. Arrastou o pé com as chinelas já gastas pelo ladrilho do quintal comprido, se esgueirando para passar no corredor estreito sem derrubar os chapéus e redes que tinha na mão. Lá do fundo da casa, veio correndo Preta, com as patas sujas e o pelo desgrenhado. - Ôh, Pretinha, cheguei, minha flô - acariciando a cabeça da cadela. Ela latiu, pulou e se jogou com a barriga para cima, com fome. - Hoje vai sê o mesmo pão de ontem, visse. Não vendi um chapéu que fosse, Preta. Sílvio apoiou os badulaques ao chão, com cuidado, e olhou para o céu. Fechou os olhos que tanto lacrimejavam, cansados da areia. Abriu os ouvidos e ouviu distante um forró animado, com "ooohs" e "aaaahs" de gente feliz. Quase conseguiu sentir o calor emanando dos casais ouriçados e cheios de cerveja. Sorriu pequeno e inspirou. Que saudades da Bahia.

A Deusa

Eu passei pela porta, escolhi uma das raias e fiquei de pé, na frente dela. Joguei meus óculos na piscina e comecei a me alongar brevemente. Percebi, então, dois pares de olhos logo à minha esquerda, mais abaixo. Eu olhei. Eles congelaram. Eram dois rapazotes, de seus 17 ou 18 anos, provavelmente fazendo uma aula teste na piscina, e dividiam a mesma raia. Eles me olhavam estarrecidos. Eu, de pé, acima deles, os choquei.  O olhar deles, estarrecido, sem palavras, me alimentou, e eu cresci. Tinha meus 1,70m. Depois, 2m, 3, 4, 5, 6 metros de altura. Me tornei imponente. Minha forma física e aura tomaram conta da atenção deles de forma que nenhum outro som era ouvido senão o de admiração deles. Uma admiração sem entendimento. Eles me olhavam sem saber o por quê. Era a Deusa que se mostrava por mim. Quebrei o brilho que me rodeava e mergulhei, nadando como eles nunca viram outra humana nadar. Ficaram completamente estancados, embasbacados.  Eu fui Igraine, Morgause e...

Aos trancos, pro barranco?

O pé ia mais e mais fundo no acelerador. Trocou de marcha rápido. Passou a mão esquerda pelo lábio e a viu se encher de sangue. Puta merda... Puta merda. Segurou o volante com a mão direita e, com a ensanguentada, rolou a tela do celular. O carro ia aos trancos pra frente, até desembocar na rodovia. O jeans rasgado ao joelho direito e mais sangue lhe escorrendo pela têmpora. Os 130km/hr pareciam não dar conta de deixar aquele pesadelo pra trás. Ela tinha feito de novo!! Puta que pariu! Ele meteu o pé no freio e encostou na beira da rodovia, perto de um córrego. O mau cheiro lhe estapeando e a noite ficando mais escura. Desceu do carro e acabou deixando a porta manchada de sangue ao batê-la. O sinal do celular não voltava. VOLTOU! Ele apertou logo o botão de chamar e aguardou alguns segundos. Enquanto aguardava, limpou a mão de sangue no jeans e passou o braço da jaqueta na boca e na têmpora, secando o sangue dali. - PORRA, achei que não fosse atender. Ela... De novo... N...

Delorean

O céu estava azul claro, quase cinzento, mas com a promessa de alguns raios de sol, como há muito não prometia. O vento beijava de leve a janela do espaçoso e tranquilo apartamento. Ela apoiou as duas mãos no parapeito daquela janela, que servia de apoio pra algumas almofadas e já tinha servido de cantinho da leitura. A cidade se estendia à sua frente, meio cinza, mas com muitas árvores. Ela girou a cabeça devagar num sentido e depois, no outro. Bocejou e se esticou, ainda despertando. O cheiro de café lhe aquecia. A cidade continuava se estendendo, bem como seus pensamentos. Inspirou devagar e sorriu de canto... Pensar que, há alguns anos, achava que aquilo jamais aconteceria, que ela nunca nunquinha estaria ali... Riu de leve, sozinha, e bocejou mais uma vez, desdenhando da própria inocência. Com achou que não conseguiria? Mais cheiro de café. Passos leves, descalços, com um leve arrastar de moletom pelo chão lígneo. Ela sentiu os braços fortes e quentes a envolverem por ...

Caro doutor.

(Disclaimer: esse é um rascunho meu de 2016. Achei bobo e puro. Não quis mais guardar. Vá.) - Sabe, doutor, eu tenho tido essas bolinhas na cabeça. - Ah, é mesmo? Deixe-me dar uma olhada. Ele levantou e começou a revirar os cabelos dela. Voltou pra mesa com um ar de grave preocupação. - Doutor, o que foi? Ele escrevia fervorosamente uma receita e já não a olhava. Apertou um botão que ficava na ponta de sua mesa. Duas enfermeiras entraram. - Doutor, o que é isso?! - a mais pura agonia - Você está começando a pensar, minha cara. Pare. Uma injeção na coxa. Escuro.

Tristeza.

Tita ia à padaria do seu Mateu todo domingo pela manhã. Neste, não foi diferente. Exceto pelo que houve lá dentro. Ela já tinha passado dos 80 anos, mas ainda andava e ouvia bem. Seu único problema era que seu maior defeito, o de nunca querer falar sobre seus sentimentos, havia se tornado de fato uma doença: não conseguia mais falar. Pediu os pães e também um doce que comeria depois do almoço e aguardou, perto da janela. Um rapazinho entrou correndo e foi logo pedindo ao seu Mateu o que queria. Ele era esguio e tinha os cabelos bem lisos, castanhos. Quando foi perguntado sobre que sabor de pão recheado ele queria, ficou na dúvida. Se voltou pra trás e gritou: - Dona Carolina, que sabor mais te apetece? Tita buscou, ávida, pela mulher que deveria responder. Esse nome sempre a deixava sobressaltada. Seus olhos a encontraram, apoiada numa cadeira, olhando algumas revistas. Ela não havia ouvido o rapaz. Como sempre, não ouvia. Ele se aproximou dela e repetiu a perg...

Laranja.

O barulho lânguido da água se acalmando e a luminosidade escassa me envolviam. Acima da superfície, somente meus olhos. Abaixo, o corpo inteiro imerso naquela massa morna e líquida. Ao longe, o som dos animais notívagos se escondendo em arbustos. Observei o topo do manto de água balançar devagar. Afundei e olhei à direita. Um enorme e majestoso crocodilo me encarava, preguiçoso. Seus olhos brilhavam arroxeados, e a cauda jazia estática. À minha esquerda, mais deles se aproximavam, nadando rápido, assustados. A massa de água me empurrou inevitavelmente para mais perto de onde o primeiro deles deitava. Ao tentar me esquivar, percebi que ele já havia fugido também. Com toda a rapidez que se pode ter no ambiente submerso, voltei à esquerda. Das profundezas daquele canto, a água se deslocava ainda mais rápido e mais forte, me empurrando, e dois pontinhos alaranjados, mais brilhantes que o dos crocodilos, se aproximavam numa velocidade nauseante. Tomei impulso nos azulejos atrás d...

Veludo.

Ela corria. As gotículas daquela chuva morna caíam-lhe ao rosto. A capa de veludo verde escuro ondulava às suas costas, o capuz tapava-lhe os olhos a cada passada. Os galhos estalavam a seus pés, as árvores a observavam, serenas e notívagas. A noite pesada preenchia o bosque. Ela sentiu o cheiro do rio gelado mais à frente, correndo como ela. Alargou ainda mais os passos, esquentando o corpo que horas antes tremia de frio. Alcançou, por fim, a margem daquele corpo lânguido e azul. Escuro.  Ela agachou, ouvindo os gritos cada vez mais próximos daqueles que a caçavam. Enfiou a mão no bolso direito com rapidez e segurança, sentindo o toque aveludado do tecido denunciando a chave escondida ao fundo. Determinada, deixou a chave escorregar de sua mão, mergulhando no rio gélido e imponente. A chave voltaria para ela, tinha certeza disso, quando mais tarde a procurasse. Para a mão deles, jamais. Pôs-se de pé, de costas para o rio, de frente para os homens que se escondiam a men...

613.

O quarto estava pacificamente escuro, as cortinas pesadas cobrindo a vista noturna. As únicas vozes que quebravam o silêncio eram baixas e falavam num outro idioma, vinham da TV, que também emitia uma luminosidade preguiçosa. Os lençóis grossos cobriam desordenadamente as pernas. Ela estava sem a camiseta, com o cabelo lhe cobrindo o sutiã. Os shorts ainda vestidos. Uma cerveja apoiada na cama. Ele só tinha a boxer no corpo e uma lata na mão. Seus olhos iam semicerrados, cansados de tanto ver a estrada pela frente; as costas sem postura, provavelmente reclamando da cama de hotel desconfortável. O sono o alcançava. Ela o admirou por um tempo, encantada mesmo depois de 2.800KM rodados naquela caminhoneta que haviam carinhosamente apelidado de Sophie. - Eu dirijo amanhã - ela sussurrou. Tarde demais, ele já dormia longe dali, nebulosamente sonhando. Ela sorriu e colocou as duas latinhas no criado-mudo de madeira escura, desligando a TV. Beijou-lhe a testa e o ajeitou na cama. Não ...

Amy, Heineken e Aristóteles.

Amy cantava The Girl of Ipanema em seu tom ebriamente encantador, as batidas flutuavam para fora das caixas de som do estéreo. Eu estava à pia, com o quadril encostado na pedra fria, de biquíni. Os cabelos me caíam às espáduas enquanto eu degustava aquele finzinho de Heineken. O calor me lambuzava. Deixei a latinha vazia no lixo e saí da cozinha. Passei pela sacada, a rede parada, o sol se esparramando sala a dentro. Voltei ao quarto, me joguei à cama, de volta às leituras virtuais. O Sol me lambia as costas desnudas, lendo comigo as palavras aristotélicas. Ps.: praia. <3 Natália Albertini.

Cicatrizes de fogo.

Eu corria as fast as I could . Minhas coxas levavam chibatadas, quase não aguentavam mais. Eu corria, corria, corria. O suor me brotava na nuca, gelado de cansaço. E de medo. Eles estavam atrás de mim. DE MIM! E gargalhavam à minha volta, invisíveis no escuro denso. Meus pés começaram a falhar, mas a inércia ainda não era forte o suficiente para fazê-los parar. Forcei-os mais. As gargalhadas endemoniadas enchiam o ambiente invisível. Era como se eu estivesse vendada e eles rissem ao pé de meus ouvidos, muito próximos, me puxando pelos pulsos, me ordenando que eu ficasse. Os toques e puxões que eu recebia nos pulsos pareciam me queimar a pele. Meus olhos estavam arregalados, meu peito, arfante. Meu corpo pedia descanso, embora a corrente de adrenalina fosse gigante. Me perdia em desespero, pressa, agonia. ELES ESTAVAM EM VOLTA DE MIM, PRESTES A ME PEGAR. Um calor insuportável se alastrava, meu corpo parecia em chamas. Aquela temperatura altíssima e muito vermelha se espalhava pelo ...

Wisemen say only fools rush in.

Janelas abertas para a rua. Azulejos verdes na varanda. A porta da sala aberta, convidando o raro vento a entrar. O som melodioso do sussurro silencioso do riacho atrás da casa. Elvis à vitrola. Dois corpos enlaçados e adormecidos ao chão lígneo daquela casa dos anos sessenta. Ps.: Elvis à minha iVitrola. (: Natália Albertini.

Entre e tome uma xícara de café, mas por favor não me pergunte da Deusa.

Abriu a janela e deixou os raios de sol inundarem o chão lígneo do cômodo . Apoiou-se no parapeito e aproveitou para fazer um attitude , acompanhando os últimos segundos da música clássica que ressoava por todo o seu quarto, proveniente das grandes caixas sonoras. Depois disso deu uma pirueta e sentou-se graciosamente na cadeira de rodinhas , girando-a, ficando de frente para a tela do computador, de frente para a tela branca do Word que normalmente lhe parecia tão deprimente, já que as palavras demoravam-lhe a sair e os dedos pareciam tropeçar nas teclas. Fazendo jus ao colã , à meia-calça e às sapatilhas que vestia, ajeitou-se numa posição quase que felina , aparentemente impossível para qualquer um que não fosse bailarino há tantos anos quanto ela. Tirou o elástico do cabelo e tornou a prendê-lo, melhor que anteriormente. Começou a digitar, os dedos dançando, como ela o havia feito alguns momentos atrás, sobre o teclado, simplesmente fazendo jorrar na tela palavras que nem a mente...

The Wall.

O cenário era composto somente por algumas árvores balançando de leve com a brisa suave da madrugada que aliviava em parte aquele calor quase insuportável e um muro que separava os dois extensos terrenos vizinhos. A moça estava sentada, tinha uma perna de cada lado do muro, como se quisesse ter ambos os lados como chão firme. A mão esquerda se encontrava apoiada atrás do corpo, servindo de apoio para as costas inclinadas. O cabelo estava preso numa trança de raiz já bagunçada, uma vez que havia sido feita havia umas boas horas. O corpo estava meio á mostra, coberto somente por um shorts jeans e um top vermelho, além de um par de chinelos pendurados nos pés. O rosto estava fixo no rapaz à sua frente. Ele, por sua vez, estava sentado de costas para o próprio terreno, que ficava à esquerda dela, como se negasse a condição de morar ali, como se só quisesse enxergar o lado dela. Estava sem camisa, como sempre, deixando visível a tatuagem do braço direito. Segurava numa das mãos uma garrafa ...

Gotas.

A mochila pendurada nos ombros já incomodava, bem como o excesso de roupa, o pequeno espaço que o bolso oferecia às mãos e os pés começando a sentirem-se encharcados. Atravessou a rua e começou a andar em direção a um pequeno toldo duma padaria, debaixo do qual esperaria a chuva tornar-se menos intensa. Quase chegando no destino, arregaçou todas as mangas que lhe cobriam o braço esquerdo para checar as horas. Mas além da constatação do horário, pôde sentir o contato da chuva com sua pele. Sentiu as pequenas gotas geladas batendo de leve em sua derme, cutucando, escorrendo, escorregando. Aquele contato fez todo seu corpo, embora coberto por sabe-se lá quantas blusas, inclusive sua nuca, onde os cabelos molhados se grudavam, estremecer, arrepiar. Com agilidade, tirou a mochila das costas e a jogou ao chão. Começou a se despir, tirando a primeira, a segunda, a terceira e a quarta blusa, permanecendo somente com a regata azul que tinha por baixo de todas. Atirou longe os tênis e o par de m...

Pena e Tinta.

Ewan McGregor & Nicole Kidman - Come What May src="http://www.mp3tube.net/play.swf?id=6a89dfde3cf20020dac8888b15546983" quality="High" width="260" height="60" name="mp3tube" align="middle" allowScriptAccess="sameDomain" type="application/x-shockwave-flash" pluginspage="http://www.macromedia.com/go/getflashplayer" wmode="transparent" menu="false" Annemarie tinha os ruivos e cacheados cabelos presos para cima, com exceção de uma fina mexa que escorria-lhe pela nuca propositalmente. Trajava naquele dia um vestido azul celeste, igualmente pomposo aos outros que tinha, porém com alguns diferenciais. O espartilho lhe esmagava o tronco e fazia seus seios praticamente saltarem para fora. A saia era rodada e armada, ao contrário da parte superior do vestido, que, como de costume, era bastante justa. Estava sentada numa confortável e grande cadeira que era estofada com uma almofada...

União Imortal

The Corrs - Little Wing src="http://www.mp3tube.net/play.swf?id=e335f707966f193056bed727af7dd0b3" quality="High" width="260" height="60" name="mp3tube" align="middle" allowScriptAccess="sameDomain" type="application/x-shockwave-flash" pluginspage="http://www.macromedia.com/go/getflashplayer" wmode="transparent" menu="false" A grama estava enegrecida graças à noite. O vento era tranqüilo e silencioso. A água do lago, iluminada apenas pelo brilho do prateado sol noturno, dançava harmoniosa e calmamente, á mercê da brisa. Os cabelos da garota, ruivos e suavemente cacheados, balançavam com graciosidade. Seus olhos, verdes, estavam acesos, queriam brilhar tanto quanto ou ainda mais que a própria estrela-maior. O corpo apoiava-se sobre os braços, jogados para trás que estavam, por sua vez, apoiados no verde escuro da grama. As pernas encontravam-se cruzadas, “assim como os índios”,...