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Mostrando postagens de maio, 2009

Cinzas como o paraíso.

Os pés calçados com chinelos simples passavam um na frente do outro de maneira regular, empurrando para frente aquele corpo de mente tão distante. As pernas estavam gratas pelo conforto oferecido pela calça, bem como a cintura. A camiseta era larga, deixando os braços livres para ajudarem no impulso do resto do corpo. O cabelo ia jogado de lado, sem merecer grande preocupação. O peito ia aberto, assim como as costas iam com boa postura. As íris estavam cinzentas, imitando a cor do céu que tanto observavam, e as pupilas excessivamente diminutas. O rosto mantinha uma expressão de indiferença constante, embora por dentro seus extremos mais opostos travassem uma batalha sangrenta. Foi quando um rapaz qualquer passou por ela pensando alto demais que jamais vira olhos tão envolventes e densos como os dela. Aquilo a tirou dos devaneios e a fez sentir raiva dele por hora. Apenas pelo fato de ter se admirado com um simples par de olhos. Depois disso, o que sentiu foi uma certa raiva de si própr

Condenado a ser livre.

Uma das primeiras pontes que permitem ao ser humano tocar o mundo que o rodeia é um material de borracha externamente colorido e desenhado: a chupeta.O objeto é simplesmente enfiado na boca do bebê para fazê-lo parar de chorar, bem como a liberdade o faz, ainda que nos acompanhe por mais tempo que a chupeta. Assim que é expelido para o mundo, ainda que desprovido de roupa e dignidade, o pequeno humano recebe seu primeiro valor social: a liberdade, tanto que o exerce assim que enche seus pulmões de ar: chora. Essa conquista de seus antepassados lhe é quase que empurrada garganta abaixo, pois, apesar de dar-lhe a opção de escolher tudo, é a única que não pode ser escolhida. Como a chupeta, o homem faz uso da liberdade como bem quer em seus primeiros anos de vida: grita, resmunga, chora e faz birra, tudo por escolha própria. Porém, com o passar do tempo, o valor que o liberta, bem como a borracha que lhe ocupa a boca, começa a se mostrar nem tão vantajoso, uma vez que as bifurcações da vi

Trampolim

Nós quatro estávamos, assim como boa parte de todo o país, na beira do trampolim, de mãos dadas, evitando olhar para baixo, adiando o que sabíamos que aconteceria. E sem piedade nem explicações, nos empurraram, nos jogaram pra fora da tábua, como comida aos tubarões capitalistas. Nós quatro estamos agora, como boa parte do país, em queda livre, com arrepios subindo e descendo por nossas espinhas, com um buraco no estômago, pois o que sentimos não é mais um simples frio na barriga. A queda é tão imprevisível, que mal sabemos o que nos espera ao final: se é um monte de água gelada ou o chão duro e intranspassável. O que se segue é um período de angústia e receio, além de grande nervosismo. Embora uma bola de água salgada se forme em minha garganta a cada vez que tento lhe dirigir a palavra, acho que ele sabe que eu faço de tudo, tudo mesmo, isso é, transponho todo e qualquer limite que eu possa ter para manter todas as nossas mãos unidas e entrelaçadas, pois tenho certeza de que não há f