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Mostrando postagens de novembro, 2014

R.

Ela era morena. E comprida. Tão comprida quanto eu, mas se dobrava com muito mais facilidade. Sentava ali do meu lado, assistindo a aquele filme comigo, como se fosse uma pessoa qualquer. Como se não tivesse saído da minha própria imaginação. Tinha os cabelos lisos num coque, e os olhos ansiosos detrás de um par de óculos. Os braços e as pernas eram longos, muito longos. Claro, eu os desenhei assim para que pudessem me resgatar mesmo do mais profundo poço. Tinha um sorriso largo e rasgado, que não tardava em aparecer para me confortar. Eu ficava esperando minha irmã - esta, sim, real - a meu lado esquerdo, a qualquer momento me pedir para parar de fantasiar e inventar amigos imaginários, e parar de falar com eles. Mas aquilo seria tão difícil... Porque aquela que eu havia criado parecia tão real. Ela andava, falava e me compreendia como ninguém. Bom, talvez pelo fato de que compartilhássemos da mesma mente, mas isso já não vem ao caso. Meu coração, contudo, era só dela. Natá

Resgate

O semáforo abriu e eu segui em frente, acelerando para o início do viaduto. Foi quando vi, a meu lado esquerdo, parado no acostamento daquela pista, um homem. Ele tinha a pele cor de cansaço, mas os cabelos ainda mantinham um tom de vivacidade. Vestia calças rasgadas e nada calçava. O que me chamou a atenção, todavia, foi o que ele tinha nos braços: um pequeno gato, mesclado e bastante assustado. O homem olhava de volta para o outro lado da via, onde alguém o devia esperar. A ele e ao gato. Ele segurava aquele felino com tanta afeição. Eu quase conseguia ouvir o filhote ronronando em gratidão. Tinha uma outra coisa também... Não era só o filhote que se agarrava ao homem. O homem também se agarrava àquela bolinha de pelos. Quase pude ver, ali, naquele cenário de cimento, o amor que o homem passava para o pequeno bicho. E também a esperança que o gato passava para aquela criança crescida. Natália Albertini.