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Mostrando postagens de abril, 2012

613.

O quarto estava pacificamente escuro, as cortinas pesadas cobrindo a vista noturna. As únicas vozes que quebravam o silêncio eram baixas e falavam num outro idioma, vinham da TV, que também emitia uma luminosidade preguiçosa. Os lençóis grossos cobriam desordenadamente as pernas. Ela estava sem a camiseta, com o cabelo lhe cobrindo o sutiã. Os shorts ainda vestidos. Uma cerveja apoiada na cama. Ele só tinha a boxer no corpo e uma lata na mão. Seus olhos iam semicerrados, cansados de tanto ver a estrada pela frente; as costas sem postura, provavelmente reclamando da cama de hotel desconfortável. O sono o alcançava. Ela o admirou por um tempo, encantada mesmo depois de 2.800KM rodados naquela caminhoneta que haviam carinhosamente apelidado de Sophie. - Eu dirijo amanhã - ela sussurrou. Tarde demais, ele já dormia longe dali, nebulosamente sonhando. Ela sorriu e colocou as duas latinhas no criado-mudo de madeira escura, desligando a TV. Beijou-lhe a testa e o ajeitou na cama. Não o co

11.

- Pode chorar, eu estou aqui com você - ele sussurrou. Um par de faróis passou pela rua escura e deserta, iluminando o interior do carro dele. Ele a tinha em seu colo. Seu cabelo ia revolto, os olhos marejados e o lábio inferior protuberante como uma criança fazendo bico. Ele encarava suas feições agoniadas e iminentemente chorosas. - Pode usar minha camisa - ele insistiu - para enxugar as lágrimas. O pranto expeliu os olhos claros dela, sem maiores cerimônias, incapaz de ser contido. Ela não conseguia abrir a boca pra sequer explicar que era a pior pessoa do mundo em lidar com sentimentos. Eles eram naturalmente incompatíveis com sua forma física, não cabiam dentro dela. Sua única forma de reação a eles era exeplir água salgada pelos olhos e ficar com a cara inchada. Chorar. Chorar e chorar. Ela era do avesso e sabia. No caso dela, chorar significava algo bom. Temia, contudo, que ele se assustasse com aquilo e não entendesse que as lágrimas por si só revelavam um dos sentimentos mais

Chantilly.

- Só um pouco, tá? - Tá - ela disse, risonha. Ele trocou de marcha e abriu a boca, com a atenção ainda voltada para os carros à frente. Ela chacoalhou a embalagem cilíndrica que tinha em mãos, sorrindo, e a aproximou dele. Pressionou a válvula e encheu a boca do rapaz de chantilly ao ponto de ele não conseguir falar. Jogou a cabeça pra trás, rindo, deleitada com a brincadeira. Ele não conseguia engolir o leite batido de tanto que ria com ela. Seus olhos eram escuros, e ele os apertava quando ria. O sorriso dele era tão doce e espontâneo que a dava ainda mais vontade de continuar rindo. E de continuar ali, naquele carro, fazendo-o rir por muito tempo, até que os abdômes e os maxilares começassem a doer. E até que não houvesse mais asfalto para cobrirem. E até que não houvesse mais nada. Só eles e suas bocas cheias de chantilly . Natália Albertini .