Matheus.

Eles eram irmãos, pelo que pude perceber. Ambos eram muito vívidos e tinham as idades próximas. Nove ou dez anos.
Eram sobrinhos do casal que se aninhava perto da porta daquele vagão do trem.
Eu assistia ao jogo deles de correr de um lado pro outro, quando uma figura muito pequena me chamou a atenção.
Ela era muito pequena mesmo. Era mais baixa do que eu sentada. E andava mancando, com roupas gastas e já cinzentas e um rosto que já havia deixado de ser o de uma mulher disposta há muito.
Ela pedia repetidamente por apenas dez centavos, e quando foi a minha vez, ela se apoiou na minha mochila e me olhou com olhos que não me viam.
Os meus viram, e se viraram pra dentro de mim mesma.
Por alguns segundos, eu me perdi em devaneios.
Quem me tirou deles foi a menina-irmã, que enunciava: "Matheus!! Tá surdo?? Tia, o Matheus tá surdo!".
Foquei meus olhos embaçados nele.
O menino tinha perdido totalmente o interesse pela corrida e olhava fixo, com o semblante gelado, para trás de mum, que me sentava de frente pra ele.
A irmã se aproximou e o cutucou no braço. Ele então, sem tirar os olhos do que eu imaginei que ele estivesse mirando, disse: "Espera... Eu tô olhando.. Deram dinheiro pra ela."
Meu coração amoleceu, imerso numa mistura sombria de sentimentos.
Os olhos dele se encaixaram nos meus.
Sem nem me dar conta, perguntei: "Deram?", ao que ele me respondeu que sim.
Meu peito afundou e segurei as lágrimas.
Matheus e eu nos olhamos ainda por alguns segundos.
Depois, ele, como boa criança, voltou ao seu jogo fraternal. Mas de vez em quando lançava olhares ao fundo do vagão.
Queria que Matheus soubesse que ali, naquele momento, eu, uma completa estranha, vi um esboço do ser humano que ele pode continuar sendo. Da criança que ele pode não deixar pra trás se esforçar-se.

Natália Albertini.

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