Nº 12.

 O Sol já ia se pondo quando Rafaella deu tchau para os hóspedes.

Eram em três: um casal e um amigo. Todos muito simpáticos. Deram tchau mais de uma vez, acenando de longe, e se encaminharam para a avenida principal.

Ela então se virou e caminhou de volta para o prédio.

Subiu as escadas sem pressa, brincando com as chaves na mão.

É, eles foram hóspedes bem agradáveis. Como será que era a vida deles longe dali? Será que eles eram sempre felizes daquele jeito? Eles pareciam tão jovens, alegres, cheios de vida e...

Abriu a porta pesada de madeira.

Andou pelo apartamento, ajeitando coisa e outra. Empurrando uma cadeira aqui, fechando uma janela ali.

Não precisava fazer muito porque em breve Tatiana viria ajudá-la com a faxina.

Antes de fechar a janela da sacada, ela se permitir sentar ali, apreciando a vista. Conseguia ver uma nesguinha do mar ao longe.

Apoiou os braços na cabeça e esticou as pernas, respirando devagar.

Era uma sensação boa sentir a maresia lhe beijar a pele assim.

Ficou observando os turistas indo e vindo, rindo alto, olhando seus mapas ou carregando crianças adormecidas depois de um longo dia de praia.

Pra onde iam depois daqui? E de onde vinham?

Será que eles conheciam muitos outros lugares no mundo?

Eles falavam tantas línguas, sabiam e viam tanto. Às vezes, eles lhe davam pequenos detalhes sobre suas vidas, falavam de onde eram e o que faziam.

Rafaella se maravilhava com aquilo.

Achava incrível que as pessoas vissem e fossem tanto. Como será que conseguiam ser tão livres? Ir e vir de onde quisessem, quando quisessem?

Devia ser uma sensação bem boa.

Ela olhou de volta para a sala do apartamento, bem iluminada. Um pequeno reflexo de luz lhe chamou a atenção.

Ela olhou pra cima e viu o porta-retrato de seu pai, esquecido ali.

Ele posava sério, em preto e branco, e muito jovem, segurando com uma mão uma Rafaella bebê em seu colo e, com a outra, o ombro de sua mulher.

Rafaella sorriu por um breve momento, mas o sorriso logo se esvaiu.

Seu peito afundou ao lembrar de seu pai e de quanta falta ele lhe fazia.

Ele era seu norte. Conhecia a cidade como ninguém, e todos o conheciam. Deu uma boa vida para sua mãe e para ela, mas quando se foi, não deixou muito pra trás.

A mãe de Rafaella enlouquecera sem o marido. Já não era mais sua mãe há anos, mas Rafaella ainda era sua filha. Sua única filha.

Rafaella de novo olhou para os móveis do apartamento, com amor mas também com pesar. Essa era a última lembrança de uma vida mais feliz. Os três haviam vivido ali e sido muito felizes.

Ela lembrava do cheiro de café sempre presente e de seu pai cantando alto no chuveiro. Lembrava de chegar correndo da rua, esbaforida, depois de brincar, e ser recebida com carinho por sua mãe, que logo a enfiava no banho. Lembrava de gritar para seus amigos da sacada. Mas todos aqueles amigos agora já não moravam mais ali.

A cidade não era mais deles assim como eles não eram mais daquela cidade.

Ela sobrara só.

Só ela e sua mãe.

Agora, alugava aquele apartamento para turistas para conseguir pagar as despesas do mês. 

Já fazia isso há muitos anos, e era sua melhor opção. Assim não precisava trabalhar o tempo todo e conseguia cuidar de sua mãe todos os dias, mas mesmo assim, mesmo depois de todo esse tempo... Ainda doía pensar que ela tinha que emprestar suas próprias coisas e lembranças para estranhos, pra quem aquela casa não tinha significado.

Ela respirou fundo, engolindo a tristeza.

Olhou mais uma vez para o mar, com o Sol agora quase de todo sumido. Inspirou mais uma vez, esperando que seus pulmões se enchessem não só de mais maresia mas também de força.

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