Ecos

Quando eu o vi, eu não sabia.

Eu não sabia. Não tinha como saber - eu nem o conhecia. Também se conhecesse, não sei dizer se o haveria reconhecido.

A escuridão era rasgada por raios roxos, verdes e vermelhos intermitentes, acompanhando sons profundos e graves que vinham do palco.

A música que vinha de lá não era muito inteligível, mas o modo como Alma mesclava a guitarra e vocais aéreos com ecos e algum teclado tornava tudo um pouco onírico. As cordas da guitarra rebombavam nas caixas de som e faziam meu peito afundar.

Foi ali, recostada a uma parede bem ao fundo, que o vi.

Ele era baixo. Tinha a cabeça recém-raspada, orelhas meio protuberantes e ombros tensos.

Eu não sabia o que lhe passava pela cabeça.

Ele pediu uma cerveja e se encostou no bar, um pouco à minha frente.

Pude ver que ele tinha uma barba rala e bem loira, mal se distinguindo de sua pele tão branca. Tinha um nariz meio comprido e dedos curtos, se agarrando ao copo de pint.

Eu sinceramente não sabia que ele se sentia daquela maneira.

Como saberia que ele queria falar com Alma? Que ele queria lhe dizer que tinha ouvido, tinha ouvido tudo?

Como é que eu poderia saber que ele tomava aquela cerveja para lhe dar coragem?

Mesmo sem saber, eu não conseguia parar de olhar para ele e tentar desenvedá-lo - aquele homem pequeno de dedos curtos e orelhas grandes. Quanto mais a música se intensificava, mais crescia minha vontade de lhe tocar os ombros tão duros.

Eu não sabia que as luzes o fizeram lembrar de quando ele e Alma olhavam as estrelas juntos. De quando eles conversavam ou mesmo discutiam debaixo daquelas estrelas roxas.

Eu não sabia que apesar dele ter pedido uma cerveja, ela tinha gosto de saudades.

Eu sinceramente não sabia que ele não sairia dali, que a cerveja iria esquentar e nunca ser bebida. Que ele por fim não teria coragem de falar pra Alma o que lhe pesava no peito, nem que ele iria pra casa olhar pra aquelas mesmas estrelas roxas em seu teto e lembrar da infância passada ali, eles dois, com tanta tristeza e remorso.

Eu não sabia.

Se soubesse, acho que teria lhe encorajado. Ou talvez não.

Eu não saberia como.