Flutuando

Tem um lugar dentro de mim onde guardo muitas coisas. Eu quase nunca vou lá. 

É um lugar com uma luz baixa azulada, e bem empoeirado. Às vezes tem um som quieto, que me lembra Sigur Rós, mas na maioria das vezes, é apenas silêncio com alguns ecos de vozes que quase soam conhecidas.

Não é como se eu não gostasse de lá, porque ele também é meu, e as coisas que guardo lá, eu... Eu as amo muito. De alguma forma, elas são algumas das minhas coisas mais preciosas. É só que... é difícil de achar o caminho de lá e mais difícil ainda achar o caminho de volta.

Esse quarto, cômodo, canto, esse lugar que não tem nome tem as paredes da casa do vô Germano e também as camas do quarto dos meus tios com cheiro de roupa lavada, mas também tem o quintal da casa de Pérola, com uma mangueira enorme, e a sombra de um gato rajado. Tem o canto da sala onde me encolhi e chorei quando pedi pra levarem um brinquedo de papel que eu fiz especialmente pra vó Elza, e me disseram que ela não podia mais recebê-lo. Tem o quarto das minhas primas e os tabuleiros de jogos empoeirados que não são usados há muitos anos.

É bem difícil caminhar por lá, eu sempre tropeço em pedaços esquecidos. Ontem mesmo eu me deparei com uma rede - não sei ao certo se era a da casa da Praia Grande, ou a da chácara da tia Márcia, mas algo pequeno e de cabelos cacheados e muito loiros dormia profundamente dentro dela. Resolvi não acordá-la, o que quer que fosse.

A meia-luz parece vir de uma janela com persianas que me lembram as que me observaram estudar durante horas a fio, e as mesmas que me viram escrever contos e histórias durante tantos anos.

As minhas visitas a esse lugar não são planejadas e eu não consigo medir quanto tempo preciso ficar lá. Ele me inebria, me faz confusa. Eu me esqueço por onde entrei.

Quando venho pra cá, sou tomada por uma canção surda que me cala - as palavras aqui não têm significado ou som. Por aqui, são só cheiros e sons. Eles me embalam num torpor levemente adocicado.

Olha ali - hoje vejo aquela antiga cama dos meus pais. Deito nela, sozinha, e a sinto flutuando numa água salgada e translúcida, que continua fluindo em pequenas, mas infinitas gotas. Se eu mantiver meus olhos fechados, talvez consiga continuar flutuando aqui por um tempo... Talvez eu não precise voltar. Talvez eu fique aqui com todas essas coisas. Só eu e elas. Talvez eu seja uma delas?



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