Matemática Viscosa.

- Mas, antes de ser senoide, é uma equação modular, concordam?
- Sim... - alguns alunos responderam.
Enquanto o professor copiava o exercício na lousa e alguns estudantes já o resolviam por conta própria, do lado de fora da sala de aula veio um grito aterrorizado, rasgando o silêncio.
Todos se encararam com olhares cheios de interrogação e receio. Antes que murmúrios começassem, o professor perguntou:
- Isso foi lá fora? - e foi até a janela, procurar na rua, lá embaixo, por algum acidente de trânsito.
Uma voz sozinha o corrigiu, assustada:
- Não, professor...foi aqui dentro. - Não deveria ter pronunciado tais palavras. Todos já sabiam que havia sido ali dentro, mas dizê-lo tornava ainda mais real o que agora já se transformava em medo.
O tutor fez uma pergunta quase que retórica, para si mesmo:
- Aqui dentro?
Deixou o microfone numa das carteiras da primeira fila, largou o giz no suporte protuberante da lousa e saiu da sala com determinação, sem pedir licença, deixando-os somente a única exigência de terminarem o exercício.
Obviamente, ninguém o fez, estavam todos muito aflitos.
O silêncio lá fora imperava. Será que ninguém tinha ido ver de onde tinha vindo o grito? Tinha sido tão... Tão enlouquecedoramente desesperado, alguém havia de ter ido atrás!
Dentro da sala de aula, um ou outro zunido surgia, mas as palavras morriam, dando lugar à quietude geral, aguçando cada ouvido que desejava escutar algo lá de fora.
Tolos curiosos.
Um.
Dois.
Três.
Quatro minutos e trinta e sete segundos e nada de o professor voltar. Para certa parte, a apreensão começava a se desvanecer, enquanto para outra, crescia exponencialmente.
Como um trovão no meio duma tarde ensolarada, um barulho explodiu ao fundo da sala, o que chamou a atenção de todos e cada um daquela sala.
As expressões variavam entre desespero, medo e horror diante do que se via ali, escorregando parede abaixo. Era o corpo de uma jovem coberto de uma mistura rubro-negra, meio barro e meio sangue. Fresco.
A camisa da garota estava rasgada numa das extremidades e na gola. A saia também estava em farrapos. Tinha as pernas arranhadas, bem como os braços.
O garoto da última fileira, a menos de um metro da morta que descia as costas pela parede, caindo sentada, conseguiu ver suas unhas sujas de terra, reboco e uma outra textura que, a medir dali, lembrava pele.
O silêncio era cristalino até o momento em que o corpo desfalecido se estabilizou no chão, com o rosto caído para um dos lados e os olhos vidrados. Exatamente no momento em que parou, fixo, houve um grito quase tão atemorizado quanto áquele que dera origem a todo o alvoroço.
Houve confusão dentro da sala, alunos tropeçando nas mesas e nas alças das próprias bolsas, se trombando uns com os outros nas tentativas inúteis de achar o caminho correto pra deixar a sala.
Simplesmente não havia saída. Isso é, a menos que se quisesse pular o cadáver ensanguentado da menina que de repente começava a parecer demais com a namorada de um dos meninos dali.
Vozes alternavam-se entre os estridentes de desespero e os roucos de fraqueza. Desordenadamente, uns e outros tentavam pedir aos colegas para que se acalmassem, mas o clima de pavor era geral, dificilmente alguém os dava ouvidos.
Quando o garoto se aproximou daquela que, confirmadamente, era sua namorada, percebeu que em seus olhos mortos não havia só medo e desespero, mas também uma profunda dor. Deu-se por conta que a menina havia morrido sofrendo. E muito.
No mesmo instante, as luzes se apagaram. Tudo o que se via era preto. Uma escuridão pesada e intransponível que envolvia a todos. Entretanto, não houveram gritos.
O desespero de todos e de cada um foi silenciado antes que as pregas vocais pudessem imprimi-lo.

As equações matemáticas na lousa, o barulho constante causado pelo efeito de microfonia, as persianas fechadas, imóveis, sem o menor sinal de vento.
O piso acarpetado por um novo tipo de vermelho, que exalava seu próprio odor e exibia sua própria magnitude.

Natália Albertini.

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