Um café amargo

    Tomava meu café e, para matar alguns minutos que tinha livres, rolava meu Instagram devagar, lendo algumas postagens e ignorando outras.
    Ultimamente, criei o hábito de, a cada foto que vejo, me perguntar se de fato conheço aquela pessoa e se faz alguma diferença saber o que passa em sua vida. Se a resposta é sim, deixo-a ali, até que me questione em algum  outro momento. Se a resposta é não, vou até seu perfil e não só paro de seguir-lhe como a removo dos meus seguidores.
    Normalmente, é um processo indolor, porque as respostas costumam ser bem simple: sim ou não.
    Contudo, nessa manhã, vi uma foto de Angélica.
    Era seu aniversário. A foto a mostrava muito feliz e toda sorrisos,  cantando parabéns atrás de um bolo elaborado. A legenda era um tanto clichê (mas quem de nós é que não é?) e os comentários me pareciam vazios.
    Ela fazia 34 anos. Agora tinha o cabelo um pouco mais curto, mas o sorriso ainda era o mesmo.
    Vê-la feliz daquele jeito me fez sorrir involuntariamente. A alegria dela me encheu tanto quanto um bom gole do meu café quente. Meu peito se aqueceu.
    Aquela era minha amiga. Meu Deus, o quanto já não fizemos juntas? Colégio, faculdade, quantas festas, quantas noites no telefone, quanto!
    Abri os comentários da foto e comecei a digitar meus mais sinceros desejos de felicidade.
    Antes de enviar, contudo, uma voz mais baixa, aquela que sempre me enche de dúvidas e parece muito com a minha própria, me questionou: "sim, quanta coisa, mas... há quanto tempo?"
    Sim, Angélica era sua melhor amiga, mas há quanto tempo? Há quanto tempo vocês não se falavam? O que aconteceu?
    Não, nada! Nada aconteceu!
    Ora, então por que não retomei o contato?
    Poderia retomar agora?
    Ela vai se lembrar de mim?
    Ela vai querer retomar a amizade de onde paramos? E onde é que paramos?
    Paramos?
    Acho que... Acho que crescemos. E talvez tenhamos crescido pra longe uma da outra.
    Já faziam alguns bons anos que nem nos falávamos mais. Não nos dávamos parabéns. Passou.
    Aquela realização, de que Angélica não era mais minha, e nem eu dela, amargou o resto do meu café e da minha manhã.
    Como é que a gente perde quem a gente ama, sem perceber? E deveria chamar de perder? Será que aquilo foi meu em algum momento?
    Eu acho que...
    É, eu acho que foi. Mesmo. Estávamos juntas quando passamos na faculdade. Estávamos juntas quando a vovó morreu, e quando os pais dela se separaram.
    É só que, talvez, isso não caiba mais na nossa vida. Não por falta de vontade, mas por simples falta de contexto.
    A voz, insistente, de novo: "Então, vamos às perguntas. Você a conhece?"
    Sim, claro. Acho que melhor do que muita gente.
    "E faz alguma diferença saber o que se passa na vida dela atualmente?"
    Eu acho que sim!
    "Tem certeza?"
    Não posso mentir a mim mesma. Aquela amizade pertence ao passado, e eu sei. Sem perceber, já estava no perfil dela, prestes a tomar a mesma atitude que tomei a outras tantas pessoas insignificantes. Aquela pequena ação, que desligaria a última fina e empoeirada ponte entre nós duas. Ela já estava em ruínas e esquecida. Isso era apenas a formalização.
    Enfim, a parei de seguir, e a excluí dos meus seguidores.
    Pensar que todos os nossos anos de amizade e nossas promessas de nunca nos afastarmos terminariam assim me derrubou por aquela manhã e durante o resto do dia.
    Pensar em quantos outros amigos eu deixei pra trás, e me deixaram?    
    Isso me torna uma má amiga? Ou apenas uma pessoa? É parte de ser adulto?
    Muito mais do que perder a amizade, o pensamento de que ela já estava perdida há incontáveis anos e eu não havia me incomodado com isso foi o que me jogou num abismo de tristeza e desesperança durante aquele dia todo.

    Acordei no dia seguinte, tomei meu café e fui trabalhar.

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