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The Fray - How to save a life
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O barulho da chave abrindo aquele portão era inconfundível. O movimento contrário ao que as outras fechaduras exigiam, era inesquecível. Empurrou as barras metálicas, logo as colocando de volta no lugar, fechando o portão de baixo. Deu os dois passos de sempre e subiu os dois degraus, que levavam à vaga de cima que, por sua vez, tinha um portão também. Ao invés de fazer o caminho usual e dar mais uns quatro ou cinco passos para alcançar a porta, dirigiu-se para o pequeno e retangular canteiro que, agora, tinha poucas flores. Sentou-se na beiradinha de pedra que transpassava o portão e ficou ali, apenas observando.
Inclinou-se para a direita e deu de cara com o comprido e mais que estreito corredor. Lembrou de como a irmã, a prima e ela viviam a se esconder ali dos adultos quando estavam para ir embora ou, ainda, em festinhas de aniversários que eram sempre realizadas naquela casa. Voltou a olhar para o canteiro e, desta vez, recordou das brincadeiras que faziam ao redor daquilo. Uma corria atrás da outra numa espécie de pega-pega à moda delas.
Ouviu a tia chamá-la e levantou-se, agora, sim, dirigindo-se à porta lígnea. Adentrou a sala, encarou a estante, a televisão e os livros debaixo dela. Agachou-se e abriu as portinhas de vidro, tirando de lá um pequeno e bem trabalhado globo cheio de água. Era um daqueles que você chacoalha e bolinhas de alguma coisa enfeitam o líquido. Bem, aquele era um desses. O diferente era que tinha um cavalo de carrossel lá dentro, que a "alguma coisa que enfeitava o líquido" era bastante brilhante e cintilante e que, além de tudo, a fazia lembrar-se de sua avó.
Postou-se de pé e sentou-se no sofá de dois lugares, que ficava de frente para a poltrona e debaixo de um quadro. Não sabia por que motivo, mas aquele sofá sempre foi do qual mais gostou. Chacoalhou o pequeno globo e voltou para o dia em que havia ganhado sua gata de estimação. A tia e a avó haviam comprado em segredo para dá-la de presente. Lembrou-se de como havia ficado feliz e de como não havia desconfiado de que seus pais já sabiam de toda a trama, afinal, era criança. Chacoalhou novamente o globo e, desta vez, lembrou-se de uma fita de vídeo que possuía, e que, na filmagem, aparecia sentada na poltrona, segurando o mesmo globo e estava vestida com uma jardineira que sua mãe havia feito para ela. Devia ter por volta dos seis, sete anos. A música que o globo emitia quando lhe era dada a corda, embalava a garota no filme. Instintivamente, teve de levar a mão à parte inferior do globo e girar o pequeno parafuso para que a música chegasse a seus ouvidos.
A tia a chamou mais uma vez, lembrando-a da primeira. Levantou-se e deixou a sala de estar, ainda com o pequeno e trabalhado globo em mãos. Passou a caminhar pelo corredor.
À sua esquerda, via o quarto dos avós, onde inúmeras vezes dormiu com a avó na cama e fez o avô dormir ao chão. À direita, atrás da porta da sala, tinha um espelho de corpo inteiro. Mais à frente, ainda à esquerda, tinha o quarto dos tios. Tinha duas camas, uma escrivaninha e um guarda-roupa. A janela era grande e dava para o corredor do quintal. Olhar para aquela janela a fez lembrar de como a prima, a irmã e ela adoravam fugir do quarto por ali, era uma aventura só pular a tal janela.
À esquerda havia o grande e branco banheiro, onde inúmeras vezes a irmã, a prima e ela tomaram banho após quase se matarem de tanto correr e pular. O corredor terminava na extensa e tão familiar cozinha, onde a mesa e as cadeiras de madeira tão aconchegantes nunca foram trocadas, onde os armários ebúrneos sempre continuaram os mesmos, onde a geladeira sempre fazia questão de estalar de noite para assustá-la quando não conseguia dormir, onde a tesoura sempre ficava escondida atrás da cortina, sobre o parapeito da janela que dava pro corredor do quintal. Onde incontáveis vezes participou e foi a anfitriã de festinhas infantis. Onde incontáveis vezes almoçou com a família do pai e disputou a cadeira da ponta com a prima. Onde incontáveis vezes abriu ovos de Páscoa e presentes de Natal.
Dirigiu-se ao lado direito da cozinha, sempre caminhando para frente. Passou pela pequena dispensa que, ao lado direito tinha um armário de madeira que zilhões de vezes abriu para pegar lápis de cor, canetinhas e grampeador, e, ao lado esquerdo, umas quatro prateleiras, de onde sempre pegava sucos, chocolates, bolachas da lata amarela e refrigerante sem gelo para a prima que quase sempre tinha dor de garganta e não podia ingerir nada muito gelado.
Chegou, enfim, ao aposento onde a tia se encontrava. Não sabia ao certo dizer o que era aquilo. Afinal, ali havia uma secadora, uma fruteira, uma cadeira, um balcão sobre o qual a tia sempre passava roupa, uma máquina de costura e uma outra série de umas três ou quatro prateleiras, onde encontravam-se remédios, CDs e chinelos. A tia lhe disse algo de pouca relevância e, pela porta da esquerda, saiu para o quintal. Atravessou a parte de cima do quintal, a varanda que era coberta e tinha o piso liso e verde, e chegou à beiradinha do degrau. Olhou para o lado esquerdo e viu o corredor que se estendia até chegar à garagem novamente. Deparava-se às vagas com um enorme portão de vidro e metal. Tinha aquela parte de metal devido ao fato histórico no qual ela, com seus quatro ou cinco anos, dirigindo seu não-motorizado triciclo, sabe-se lá como ou porquê, bateu com enorme força na porta vítrea. Grande parte do vidro caiu sobre ela. Olhou para a perna direita e para o pulso esquerdo, onde tinha duas cicatrizes daquele dia. Ainda olhando para o corredor, lembrou de como brincavam de “Mamãe Polenta” nas festinhas. Voltando-se para frente e encarando a parede com as samambaias penduradas, lembrou de um churrasco que a família havia feito ali, como sempre faziam, e ela havia sentado-se na cabeceira da mesa, bem próxima do degrau. O que marcou aquele churrasco foi que, assim que levantou-se para pegar um pedaço do bolo, a prima, sabe-se lá porque motivo, razão ou conseqüência, tirou-lhe o banquinho, e, quando foi sentar, não olhou para trás. Caiu para trás feito uma jaca madura e, de quebra, machucou as costas e atirou o bolo na parede. Por sorte, caiu milímetros antes do degrau.
Voltou para o meio da varanda e viu a máquina de lavar e os tanques que tinham entre si um vão, onde sempre se escondiam dos adultos. Virando-se para frente, para o fundo da casa, viu a árvore que dava-lhe de presente belas flores amarelas e vermelhas, e a terra com algumas ervas. A terra que sempre revirava com a prima para achar minhocas e matá-las. Viu a pequena estufa onde o tio antigamente cultivava orquídeas.
Deu uns dois passos à frente e sentou-se no degrau, observando a parte de baixo do quintal, a parte descoberta, a parte onde corriam e brincavam de pega-pega ou cabra-cega.
Afundou a cabeça entre os braços apoiados nos joelhos e lágrimas passaram a umidecer-lhe a face. O que mais sentia era não poder dividir todo aquele espaço e toda aquelas lembranças com sua avó.
Não que não fosse grata por todos que tinha em sua vida, mas apenas lhe faltava o brilho especial que só sua avó sabia dar à vida. Não que não entendesse que cada um tinha um limite neste mundo, mas apenas lhe faltava aquele jeito diferente.
Há algum vinha preocupando-se em demasia com a possível venda futura daquela casa. O avô ainda viveria um bom tempo. Mas, quando atingisse seu limite também, muito provavelmente venderiam a casa. E isso era o que ela menos queria. Amava aquela casa mais do que amava sua própria. Não sabia porquê, simplesmente amava. Todavia, agora já havia compreendido. A casa era seu único laço concreto com a avó.
Em cada canto daquela casa conseguia sentir o cheiro da avó. Engoliu o pranto em silêncio e olhou para o quintal. Sabia que, onde quer que a avó estivesse, estaria olhando para e por ela.
Enxugou as lágrimas e se levantou. Sentiu a avó por perto. Beijou-lhe a face e saiu.
A garota, por fim, sorriu. Eram apenas dores comuns de seres humanos diante de mistérios nem tão misteriosos assim.

Natália Albertini.

Comentários

Unknown disse…
Como sempre escrevendo muito bem, mas esse texto em especial, eu gostei mais do que todos os outros, não sei porque, mas ficou perfeito.

bjo pra escritora mais linda do mundo...

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