Marshmallow

O dia era bastante frio pra uma manhã de maio.
Uma chuva fina e insistente batia nos vidros do carro, como se um domingo já não fosse tedioso por si só.
Todavia, aquela domingo não ia tão monótono assim...
Ele dirigia e defendia suas opiniões com afinco dentro daquele casaco grande de náilon.
Seu tom de voz era amadeirado, melodioso aos ouvidos dela, que prestava bastante atenção no que ele dizia.
Prestava mais atenção, com tudo, no jeito como ele falava. E em como ele ficava bem de barba.
Não conseguiu se conter e, por algumas vezes, arrumou um ou outro fio que destoava. Debaixo do queixo dele, ou mais perto da orelha, quase à altura dos óculos, onde aquela barba densa se juntava com o cabelo que ele agora tanto aprovava. Barba e cabelo, ambos do mesmo tom, mas os olhos... Ah, os olhos, não... Estes tinham uma cor ainda mais doce, quase caramelo. E ela realmente gostava de como esse caramelo escorria por sua pele quando ele a encarava.
Ela sorria bastante e concordava com quase tudo que ele dizia.
Por um momento, e ela sinceramente esperava que ele não a julgasse por isso, ela divagou, se distanciando do que ele falava. Sua mente alcançou outras plataformas...
Era realmente uma atmosfera muito boa que havia dentro daquele carro, protegidos da chuva e do frio.
Ele já havia alcançado a quarta marcha, e não tinha colocado a mão na perna dela.
Pensou em como arrepios vinham à tona quando ele a tocava, ou apenas a encarava, e em como estavam numa fase boa. E pensou, abrindo ainda mais o sorriso, que tudo isso era ainda melhor porque eles não precisavam delimitar ou (ainda melhor) explicar o que estavam sentindo, até porque não era nada violento ou arrebatador. Era só... Uma sensação muito boa mesmo, easygoing. Como a sensação das ondas que chegam mansas, quase no fim, e batem nos pés que descansam sobre a areia morna.
O carro encostou. Ela voltou a mente a ele, que agora sorria.
Ela sorriu de volta e agradeceu. Esperava que ele entendesse que não só pela carona, mas pela parceria recém criada. Pela areia e pelas ondas quentes.
Ela o beijou de leve e virou o corpo pra sair do carro, ao que os dedos dele fizeram um círculo no ombro esquerdo dela.
Ela se voltou novamente pra ele e, ali, frente a frente, percebeu que ele provavelmente compartilhava da mesma sensação marshmallow que ela.
Sorriu mais uma vez e o beijou com mais afeto.
Um até breve foi dito, e ambos tomaram seus caminhos de volta com um sorriso no rosto.

P.s.: ah, ela sabe que ele ficou olhando ela ir por uns dois ou três segundos antes de engatar a primeira marcha e sair de novo. E, com isso, entrou na estação de metrô tentando conter um sorriso.

Natália Albertini.

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