Tristeza.

Tita ia à padaria do seu Mateu todo domingo pela manhã.
Neste, não foi diferente. Exceto pelo que houve lá dentro.
Ela já tinha passado dos 80 anos, mas ainda andava e ouvia bem. Seu único problema era que seu maior defeito, o de nunca querer falar sobre seus sentimentos, havia se tornado de fato uma doença: não conseguia mais falar.
Pediu os pães e também um doce que comeria depois do almoço e aguardou, perto da janela.
Um rapazinho entrou correndo e foi logo pedindo ao seu Mateu o que queria.
Ele era esguio e tinha os cabelos bem lisos, castanhos.
Quando foi perguntado sobre que sabor de pão recheado ele queria, ficou na dúvida. Se voltou pra trás e gritou:
- Dona Carolina, que sabor mais te apetece?
Tita buscou, ávida, pela mulher que deveria responder. Esse nome sempre a deixava sobressaltada.
Seus olhos a encontraram, apoiada numa cadeira, olhando algumas revistas.
Ela não havia ouvido o rapaz. Como sempre, não ouvia.
Ele se aproximou dela e repetiu a pergunta, ainda mais alto. Ela respondeu e continuou onde estava.
O coração de Tita quase lhe saiu pela boca.
Era ela. Carolina. A sua Carolina.
Pensou em finalmente se aproximar e pegar-lhe a mão, trançar-lhe o cabelo, como fazia quando eram meninas.
Entretanto, já não podia mais falar, nem ela, ouvir.
O rapaz pagou, tomou a mão de Dona Carolina e foi-se embora.
Tita ficou ali. Parada. Sozinha. Muda.
Uma tristeza densa e cinzenta a inundou. A tristeza que nunca passou. As lembranças que não se calavam e o arrependimento que já não mais a deixava.
O peito pesava como pressionado por uma pedra.
Tristeza.
Tristeza de velha. Desde menina.

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