01:30am

01:30am.
Nina gritou. Cada vez mais alto, cada vez mais agudo, gritou, gritou e gritou:
     - Mamãããããããããããeeee!! Aaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

Daniela acordou, assustada. O travesseiro molhado de suor frio, a franja colada na testa, o coração pulando, como se fosse lhe rasgar o peito.
Sentou na cama rápido. Olhou o relógio: 01:31am.
“Caralho, de novo!”, num meio pensamento, enquanto andava para o corredor e se apressava em direção ao quarto de Nina.
Pisou de leve no taco perto da porta do quarto dela, porque ele sempre estalava, e ela não queria acordá-la de novo.
Abriu a porta bem devagar e silenciosa.
Viu o abajur projetando os unicórnios rosa na parede e Nina dormindo profundamente, quietinha, de costas para a porta.
Daniela entrou no quarto e agachou ao lado da cama de Nina. Passou a mão nos cabelos curtinhos da nuca dela e suspirou baixo. Nina resmungou algo baixo, mas continuou dormindo.
Daniela saiu do quarto sem fazer barulho, fechando a porta. Encostou a cabeça na parede e suspirou de novo.
Não aguentava mais ter esse sonho. Se lembrava de ter sonhado isso pela primeira vez havia no mínimo um ano, mas tinha ficado ainda mais frequente nos últimos meses.
Agora, quando acordava assim, morrendo de medo e encharcada de suor, ela não tinha mais tanta pressa, já não saía correndo para o quarto de Nina e muito menos a acordava. De qualquer forma, não deixava nunca de ir conferir a filha. Preferia que ela acordasse irritada e falasse “dormir, mamãe!” do que ficar imaginando se ela havia mesmo gritado ou não.
Ainda meio ensonada, Daniela desceu as escadas na penumbra e foi até a cozinha tomar um copo d’água. Enquanto bebia, pegou a caneta ímã da geladeira e marcou com um X o calendário, para lembrar que havia sonhado de novo com aquele grito.
Colocou o copo na pia e, ao se virar para sair da cozinha, sem querer olhou para o microondas, que mostrava agora 01:29am.
Ela franziu o cenho, confusa. Achava ter visto 01:31am lá em cima, no quarto. Não, devia ter se engan…
As luzes vermelhas do micro-ondas calaram seus pensamentos quando viraram 01:30am.
Uma luz rosa choque berrante rasgou a escuridão da cozinha, escancarando as janelas. As cortinas começaram a voar furiosamente.
Daniela segurou a respiração, as costas geladas de terror, congelada, sem conseguir se mover. Pareceu imaginar uma risada bem baixa, ao longe, mas então um grito a interrompeu:
     - Mamãããããããããããeeee!! Aaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Nina!
     - NINAAAAA!!!!!!
Apesar de todo o medo dificultando sua respiração e qualquer movimento, ela conseguiu se mexer e voou pra porta da cozinha, que dava pro fundo da casa.
Nina não parava de gritar, muito agudo, e com muita dor.
Daniela chacoalhou com força a porta algumas vezes até lembrar de pegar a chave que ficava pendurada ao lado e enfim abrir.
Sua boca se abriu como se seu rosto estivesse derretendo, com um grito preso na garganta.
A luz mudara do rosa choque para um vermelho intenso, rubro e escuro.
Seu jardim, seu lindo e florido jardim, estava coberto de dedos, pés, braços e orelhas. Todos muito pequenos. Todos de… caralho, de criança!
Por um segundo apenas, ela pareceu parar de ouvir Nina gritando, quando girou a cabeça para a esquerda e viu uma cabeça imensa de cavalo aberta pela metade, mostrando as entranhas e o cérebro, em cima da sua roseira favorita. Tudo, todas as flores e o chão inteiro estavam cobertos de sangue.
     - Mamãããããããããããeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee
Ela voltou a cabeça para o fundo do quintal, onde tinha um pequeno depósito para guardar suas ferramentas de jardinagem.
A caminhada até lá foi difícil e pareceu levar anos. Ela tinha que andar com cuidado, porque os chinelos escorregavam e grudavam no sangue meio seco.
Nina gritava, gritava, e… ainda ao fundo, muito baixo, alguém ria?
Ela chegou na porta do depósito. Tremia dos pés à cabeça. Seu pijama estava completamente molhado de suor. Sua garganta, pelo contrário, seca. Precisava ver Nina mais do que tudo. Precisava salvá-la do que quer que fosse, mas… que medo!
Finalmente estendeu a mão e escancarou a porta.
A luz vermelha do jardim era intensa o suficiente para iluminar a cena do depósito que Daniela viu.
Seus olhos quase se descolaram das pálpebras, suas mãos fincaram as unhas em seus antebraços e sua boca abriu tanto que rasgaram um pouco o meio de seus lábios. Sua garganta seca não conseguiu emitir um som que fosse. Ela só conseguiu cambalear pra trás, perto de uma das roseiras, onde desmaiou, gelada.

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