18

Ela olhou no relógio, impaciente, balançando o pé da perna cruzada, enquanto olhava pra TV, sem prestar atenção.

Alguns minutos depois, olhou de novo no relógio: dez e meia da noite!

Ah, não, agora já era demais.

Levantou bruscamente e marchou até o quarto de Ana Paula, abrindo com força a porta:

- Ana Paula, pelo amor de Deus! Que horas vamos sair?! São dez e meia, filha!

Ana terminou de passar o rímel, correu para desligar a música que tocava alto,  borrifou o perfume, se olhou uma última vez no espelho e enfim olhou pra mãe, sorridente:

- Agora, vamos, vamos!

Abraçou-a por trás enquanto a empurrava de volta para sala, dançando, brincalhona, mas Regina estava bem impaciente e andou dura até a cozinha, pegou a chave do carro e gritou:

- Fernando, estamos indo!
- Tchau, pai! - Ana Paula gritou.
- Tchau, filha, boa festa!

Regina revirou os olhos. Ele deveria reprovar isso tudo! Onde já se viu… Saindo de casa às dez e meia da noite pra voltar sabe Deus que horas!

Pegaram o elevador até a garagem, entraram no carro e saíram do prédio.

Enquanto Regina dirigia, Ana ligou o rádio alto, animada, cantando com as músicas, enquanto digitava rápido no celular e arrumava as tiras da sandália.

- Que horas você vai voltar? - Regina soltou por entre os lábios crispados, de mau humor
- Ah, mãe, sei lá! Umas cinco?
- CINCO HORAS? Meu Deus, Ana Paula, que diabos vocês fazem numa balada, naquele lugar escuro, cheio de gente bêbada, até as CINCO HORAS DA MANHÃ?!
- A gente vira um deles! - gargalhou alto, provocando a mãe

Regina meneou a cabeça e continuou dirigindo.

- Ah, mãe, qual é! Até parece que quando você e a tia tinham minha idade, vocês não gostavam de sair também. A vó já me contou de algumas que vocês aprontaram… - ainda rindo, leve
- Mas o mundo era outro! As ruas eram menos perigosas!
- Ah, até parece - riu

Uns quinze minutos depois de saírem de casa, estacionaram.

- Buzina, mãe!
- Ana, são dez e meia, não vou buzinar!

Ana Paula meteu a mão na buzina e gritou ao mesmo tempo:

- BORA, FELIPE!!!!!

Felipe saiu com pressa de casa, também muito animado, sorrindo.

Parecia um pavão. Vestia coturnos, uma calça preta bem colada e um colete de couro. O cabelo estava todo arrepiado e ele tinha brincos longos.

Depois de trancar o portão de casa, ele veio desfilando para o carro, cantando alto a música que ouviu vindo do rádio. Ana cantou com ele.

- Pelo amor de Deus, fiquem quietos! - Regina repreendeu

- Oi, tia! - Disse Felipe, entrando no carro e dando um beijo em cada uma.

- Como está Vitória, Felipe?

- Tá ótima, tia, ela te mandou um beijo. Disse que semana que vem, ela leva a gente.

- Semana que vem… - bufou, enquanto manobrava o carro e voltava a dirigir, pegando uma rua movimentada - De novo? Vocês não se cansam?

Contudo, eles já não prestavam mais atenção a ela. Falavam sem parar sobre o tal do DJ da balada, quem iam encontrar lá, como achavam que fulano ia estar vestido, ou como ciclano tinha se comportado na semana passada.

Regina continuou dirigindo enquanto ouvia os dois conversando, rindo, se empurrando. Quem não os conhecesse, poderia dizer que eram irmãos e não só amigos de longa data. Não podia esquecer de mandar uma mensagem pra Vitória quando chegasse em casa…

Por fim, chegaram à estação de metrô.

- A gente desce aqui, mãe!

- Não, senhora! Espera eu estacionar! - exigente.

- Tá bem - nada a abalava quando estava feliz e bem humorada assim.

Assim que começou a estacionar o carro, Regina ouviu uma nova música começando no rádio, alto. Ana e Felipe prenderam a respiração por alguns segundos e, então…:

- UUUUUUUUUUUUHUUUUUUUUUUUUUUUUUUU! - berraram juntos, inflamados por aquela noite quente de sexta-feira

Era a música favorita de Ana. Regina sorriu e puxou o freio de mão.

- Valeu, mãe!

- Obrigado, tia! Boa noite!
- Ah… De nada - mas eles já haviam pulado pra fora do carro e corriam para a estação, do outro lado da rua.

As pessoas olhavam pra eles porque eram, ao mesmo tempo, muito lindos e muito extravagantes. Pareciam de outro mundo. Ou melhor… Pareciam dali mesmo, mas pareciam a mais perfeita definição da palavra vida.

Regina ficou uns segundos parada, olhando os dois pulando e cantando juntos.

Olhou para Ana Paula, enquanto ouvia aquela música que a filha tanto amava.

Sim, já tinha tido dezoito anos. Sim, adorava ir a festas e dançar e, sim, já tinha aprontado bastante… Riu um pouco sozinha, lembrando de algumas das peripécias.

Olhar para Ana era como olhar pra si mesma jovem. Lembrar daquela inocência e daquela vontade irrepreensível de viver, e viver o máximo e o mais rápido possível.

Ali, ouvindo aquela música e olhando para a filha, deslumbrante, desaparecer na noite, seu coração transbordou de amor. Não só por Ana, mas pela parte de Ana que era Regina. Ali, naquele momento, não havia ser que ela amasse mais do que Ana-Regina.

Sorriu e voltou a dirigir.

Não desligou o rádio, nem abaixou o volume. 

Abriu todas as janelas do carro quando pegou a rodovia de volta e sentiu a brisa da noite agitar violentamente seus cabelos.

Dirigiu de volta pra casa lembrando de seus dezoito anos, feliz.

Cheia de vida.

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