A Sutileza do Amarelo e do Laranja

O céu estava claro e algumas poucas nuvens cobriam a luz direta do Sol, mas nada que fizesse o dia escuro.
Nathalie tinha a pequena menina loira no braço direito e a mão do pequeno menino ruivo apertada em sua esquerda. A bolsa preta e grande, cheia de meias, luvas, pomadas, papinhas, colheres, papéis, canetas, agenda, maquiagem, óculos e presilhas, estava pendurada no ombro esquerdo, querendo cair, uma vez que o braço a puxava para baixo com a força de todos aqueles vinte e três quilos brancos e laranjas. O cabelo castanho claro estava solto e só continuava ajeitado graças aos óculos solares no topo da cabeça. A consulta ao pediatra tinha sido tranqüila apesar de alguns imprevistos como a troca de fralda de última hora da menina. Ambas as crianças estavam perfeitamente bem de saúde. Apenas as levou por uma questão de rotina e segurança.
O casalzinho hoje estava simplesmente impossível. Completamente ativos. “Hiperativados”, como dizia a jovem mãe. Estava a duas quadras do quitanda, onde pegaria algumas frutas e depois pegaria o carro no lava-rápido para, enfim, ir direto para casa. As crianças adicionavam a cada passo uma nova pergunta do tipo mamãe-o-que-é-isso. Tinham acabado de aprender a fazer movimentos ordenados com a língua e, consequentemente, formar palavras, logo, tudo o que mais queriam fazer era falar. Olhar e falar, ou, melhor dizendo, olhar e perguntar. Apesar do cansaço físico, Nathalie amava isso. Amava ver os quatro pequenos olhinhos verdes arregalados e cheios de fome por conhecimento, as pequenas boquinhas se movimentando de modo vacilante e as mãozinhas apontando para todo e qualquer lugar. Aquelas crianças a enchiam de vontade de viver e satisfação.
Por fim chegou à quitanda. Dona Chuchu, baixa e encolhida senhora dona do estabelecimento, de origem nipônica, cabelo curto e com franjinha, extremamente preto e liso, óculos grandes, roupas simples e imenso carisma, encontrava-se à frente das bancadas do lado de fora, tirando uma pêra daqui e pondo outra maçã ali. Aproximou-se da tão afetuosa anciã e esta já percebeu sua chegada, o que lhe foi permitido graça ao alvoroço das crianças.
- Bom dia, Nathalie! – disse, virando-se de frente para a vistosa e alta moça.
- Bom dia, dona Chuchu – respondeu com um sorriso completamente carinhoso e quase que aliviado por ter chego.
- E os gêmeos, como vão?
- Muito bem! – respondeu, animada e risonha, a pequena Alice.
- Mamãe, de onde vêm os bebês? – irrompeu a aguda e nem tão baixa voz do menino.
A mãe apenas sorriu e dirigiu a palavra à dona da quitanda, pois sabia que dentro de segundos, quem sabe até milésimos, o filho perguntaria outra coisa. E mesmo que insistisse, não era nada desesperador ou preocupante.
- A senhora poderia pegar para mim cinco maçãs, dois abacates, um abacaxi, quatro goiabas e três cachos de uva?
Ágil e disposta, a pequena japonesa colocou cada tipo de fruta num saquinho plástico e depois os juntou, colocando-os numa sacola maior.
- Mamãe, você me ouviu?
- Ouvi, Bernardo. – respondeu, atrapalhada em soltar a mão do filho e colocar a menina no chão para poder abrir a bolsa e tirar o dinheiro.
- Você me pega depois, Nathalie. Não se preocupe!
- Imagine, Dona Chuchu. Espere só um instantinho.
Enquanto isso, Alice logo abraçou a perna da senhora e calou-se, paciente. Porém, Bernardo insistiu:
- De onde vêm os bebês?!
- Da barriga das mamães, filho.
- Aaaaaaaah... – e fez cara de pensativo, deixando a mãe ainda mais apaixonada – Mas como elas ficam com aquele barrigão?
- Bem – interrompeu Dona Chuchu, ajudando – na verdade, o papai e a mamãe decidem quando querem ter seus filhos e, então, o papai compra uma semente mágica e dá pra mamãe comer, entendeu?
Os olhinhos verdes fixaram-se na pequena e curvada senhora que havia lhe explicado enquanto a mãe ainda procurava a carteira na bolsa.
- Mas onde ele compra a semente?
- Numa quitanda! – disse Dona Chuchu, entusiasmada.
- Numa quitanda?
- Sim. A semente que a mamãe deve comer para ficar com o barrigão é uma semente de melancia!
- Não! – gritou Bernardo, visivelmente preocupado e espantado.
- Que foi, filho? – apressou-se em perguntar, já preocupada.
- Mamãe... - vacilou – lembra quando comemos melancia nessa semana?
- Uh-hun. – e sorriu, já imaginando o que estava por vir.
- Eu acho que engoli uma semente – e fez uma cara de pavor. – E agora, mamãe, e agora?! Ficar com barrigão é coisa de menina!
As duas adultas irromperam em gargalhadas de divertimento com a inocência da criança ruiva.
- Não, queridinho – interveio a nipônica – só acontece quando mamãe a papai realmente querem que aconteça, entendeu?
- Ah, então tudo bem. Mamãe, eu não quero que aconteça, viu?
Nathalie ainda se recompunha das risadas quando sorriu para o filho, concordando e, enfim, entregando o dinheiro à dona da quitanda. Com os olhos, agradeceu imensamente pela explicação da gravidez e, pela última vez do dia, lhe sorriu um sorriso de extremo carinho e afeição.
- Agora vamos, crianças. Digam tchau à Dona Chuchu!
- Tchau, Dona Chuchu! – esganiçaram os gêmeos, quase que em uníssono.
Alice estendeu os bracinhos para que a mãe a pegasse. Novamente carregando a loirinha nos braços e o ruivo pela mão, a morena foi de encontro ao lava-rápido do outro lado da rua e pediu seu carro. Pagou com o dinheiro que desde a quitanda já havia separado no bolso esquerdo da calça jeans para não causar a mesma confusão, e então o manobrista lhe trouxe o Toyota preto.
- Obrigada. – sorriu com extrema simpatia usual.
Abriu a porta traseira do lado do motorista e ajeitou Alice na cadeirinha lilás e roxa. Após ter colocado o cinto de maneira correta, virou-se e viu o menino conversando de forma empolgada com um dos manobristas. Sorriu contente em ver o filho e o chamou. O garoto veio correndo, ela o pegou no colo e, fechando a porta, abriu a do outro lado, ajeitando Bernardo na cadeirinha preta e azul. O procedimento foi o mesmo e então fechou a porta, dirigindo-se para seu lugar.
Fechou a trancou a porta pelo lado de dentro, colocou seu cinto de segurança e abaixou os óculos, protegendo os olhos. Ao sair, buzinou, agradecendo pela última vez e despedindo-se do dono do estabelecimento.
Colocou o CD das crianças, pegou a avenida principal e em menos de meia hora estava em casa. Estacionou o carro e levou as crianças para cima. Ao abrir a porta lígnea do apartamento, as crianças entraram correndo para o quarto.
- Não se esqueçam de lavar as mãos!
Fechou a porta atrás de si e foi, junto aos gêmeos, lavar as próprias mãos. Após deixá-los em segurança no quarto, foi à cozinha preparar o jantar.
A refeição foi tranqüila e calma. O marido não havia se atrasado e também estava de ótimo humor. Todos conversaram e comeram bastante à mesa. Enquanto Nathalie tirava a mesa e lavava a louça, Luiz deu sorvete às crianças e logo depois deu-lhes banho, ninou e as colocou na cama, já adormecidas.
Ao voltar para o quarto, encontrou a mulher vestida com sua camisola de seda preferida, sentada na cama, lendo um de seus livros. Tomou uma ducha na suíte e voltou para a cama, sentando-se ao lado dela e soltando um suspiro de alívio.
Ela leu o último parágrafo, pegou a rosa e marcou a página, deitando o livro sobre seu criado-mudo.
- Como foi o serviço hoje?
- Bom.
- Só bom?
- Na verdade, foi ótimo, Rafael disse que talvez na próxima semana eu comece como gerente.
- Gerente?! – e deu um pulo na cama, abrindo um largo sorriso.
- Sim.
- E por que não me contou antes?
- Não é nada demais...
- Como não é nada demais? Claro que é!
- Ah, queria fazer suspense – e riu de leve, tímido e gracioso como sempre.
- Aaaaaaaaaah, meu amor! – ela nem precisou falar quão feliz estava, seus beijos e abraços disseram tudo.
- Mas e o seu dia, como foi?
- Foi bom.
- Algo de surpreendente?
- Ah, a cada dia me surpreendo mais ao ver que eu consigo gostar ainda mais dos gêmeos.
Ele riu.
- Realmente, eles são uns amores. E eu os amo muito, mesmo.
- Sabe, não sei explicar, só sei dizer que hoje estou imensamente grata.
- Pelo quê, meu bem?
- Por tudo. Estou me sentindo extremamente bem e grata.
- Isso é bom.
- É, sim.
Em meio a conversas e beijos, Luiz adormeceu antes que ela. Nathalie não demorou muito a dormir também, mas nos últimos segundos acordada, uma sensação de gratidão e satisfação inundou seu corpo e a fez sentir num daqueles dias em que nada estragaria seu bom humor. Não sabia se o dia seguinte seria assim. Dificilmente seria, mas só aquele dia, aquele exato dia, valeu por uma semana toda, quem sabe até duas. Os gêmeos e o marido era tudo que um dia sonhou ter. E além disso, tinha um emprego maravilhoso e uma família toda muito amável.
Era apenas mais um daqueles raros dias em que tudo dá certo e que motivos externos não nos afetam nem um pouco.


Natália Albertini.

Comentários

Anônimo disse…
Sinceramente, eu leio MUITAS coisas por dia, e amei o jeito como escreve, parece que você brinca com as palavras =]

Conseguiu prender minha atenção do começo ao fim do texto, e eu vi MUITO de você nessa história hahaauha! De verdade, você leva o jeito pra coisa menina =]

Beijão!

Postagens mais visitadas deste blog

Os Três T's

O Punhal.

Uivos.