Tigres.

Com um coque bagunçado ao topo da cabeça e a testa limpa, entrou no elevador.
Tinha o corpo confortável e leve vestido num vestido ralo, roxo, liso. Os pés a chinelos.
Deu bom-dia à grávida e ao homenzinho uniformizado de mochila às costas, prestes a ganhar um irmaozinho.
Nem se deu ao trabalho de olhar seu reflexo. Só checou os bolsos: um tinha a chave, o outro, o celular.
Enquanto se perdia em sua reflexão bolsínea, a mulher grávida de cabelos dourados e óculos de sol grandes disse, encarando o abdominal da moça:
- Ai, queria ser mocinha assim outra vez... Queria poder usar uns vestidos fresquinhos assim!
O coque quase se desfez.
Os olhos de cílios ainda não pintados ergueram-se às lentes do rosto em frente, interrogativos.
O suspiro da mulher foi perceptivelmente nostálgico, longe da inveja.
A moça, dissimulada, soltou um leve muxoxo em forma de risada, com os lábios retorcidos à esquerda.
Quando a mãe e o filho saíram do elevador, se despediram.
Sozinha, silenciosa, encarou seu reflexo.
Testa lívida, cabelos repuxados para trás, pescoço altivo.
O decote do vestido deixava o topo dos seios ainda infantis à mostra, mas nada que os tornasse provocativos.
A cintura era rasamente acentuada pelo tecido fino, enquanto as pernas se deixavam à mostra, delgadas e inocentes, esquálidas ao mesmo tempo.
Sentiu-se aos treze anos, uma menina ainda, e sorriu, incompreensiva, para a fala da mulher.
Assim que ergueu os olhos para os de seu reflexo, entretanto, teve tempo de pegar as garras do tigre lhe arranhando internamente as íris.
Assustou-se e afastou um passo.
Seu reflexo, entretanto, não.

Natália Albertini.

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