O Oceano.

A porta da pequena sala de aula estava fechada.
Eu estava sentada à mesa redonda, corrigindo textos, simultaneamente ouvindo os sussurros de meu iPod.
O frio me incomodava, como sempre faz. Eu tinha o torso envolto em três tipos de blusa.
Meu cabelo, num coque. Meus olhos, em delineador.
Foi então que a introdução de Elephant Gun me atingiu os ouvidos.
Vislumbrei o punhal à ponta da mesa.
Massacrei meu maxilar, fazendo ambas as fileiras de dentes entravarem uma batalha.
O punhal reluzia sob a lâmpada fosforescente.
Larguei a caneta e parei de escrever meu comentário sobre o texto de algum de meus alunos.
Um oceano inteiro se revirou dentro de mim, revolto por ser represado, tentando alcançar minha garganta.
Engoli-o, resistente.
Fechei as mãos em punhos e me concentrei no punhal à outra extremidade da mesa, enfrentando-o, bem como as águas que relutantemente tentavam me escalar até meus olhos.
Inspirei fundo. Foi meu erro. O ar inalado feez redemoinhos de água: enfraqueci.
Ainda ouvindo a Beirut, estiquei o corpo e peguei o punhal prateadamente onírico.
Risos de crianças correndo. Azulejos frios. Quintal vermelho. Tesoura escondida debaixo da cortina. Conversas de duas meninas numa madrugada na sala de estar, diante da TV, sobre colchões.
Sua casa.
Minha morte.
Minhas mãos, já acostumadas ao processo, fincaram o punhal ao centro de meu peito, revirando-o, cutucando o órgão vital e galopante que ali se encontrava, sob pele e ossos.
O sangue jorrou, quente. Escorreu por minha blusa branca, manchando-a instantânea e agressivamente.
Expirei o ar antes inalado, e então o oceano, sempre vitorioso, saltou-me pelos olhos.
Perdi-me em soluços bem engolidos, pois a prática constante me levou à perfeição, em olhos cansadamente encharcados e em pele ensanguentada.
Morri. Outra vez.
E vou continuar morrendo a cada sensação ou lembrança que me trouxer você ou sua casa de volta.

De sua neta,
Natália Albertini.

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