Persianas brancas.

Estava sentada no chão, de pernas cruzadas, no centro do aposento. Olhava para o próprio corpo, deitado na cama, com um semblante agoniado.
Apostava que acordaria dali a alguns instantes.
Olhou em volta e se percebeu rodeada de palavras, sentimentos, cores e rostos flutuantes: os pensamentos de seu corpo externados, em suspensão.
Olhou para o corpo novamente, a expressão facial havia mudado. Passou repentinamente a certa calma.

Trazendo os olhos de volta ao chão do quarto, deu-se por conta que, à sua frente, havia uma caixa vermelha.
A caixa.
Levou as mãos à tampa e abriu aquele compartimento.
Borboletas de todas as cores e tamanhos saíram voando, enchendo o ambiente, empurrando os pensamentos suspensos no ar.
O quarto ficou completamente colorido. E poderia até mesmo levantar vôo, tantas as asas batendo.
Uma paleta de cores em movimento, voando, se movendo, iluminada pela sutil claridade solar que atravessava a persiana branca que batia de leve na janela.
As borboletas, cada uma representante de uma memória, de um pedaço de alguém que havia marcado a vida daquele corpo adormecido, colocaram as minúsculas patinhas fazedoras de cócegas na alma que observava tudo.
Levantaram-na consigo, igualando-a a todas as reflexões e lembranças.
O corpo pensando a alma.
Ela pensando ela mesma.
De repente, a sensação de cócegas foi tamanha que o corpo foi obrigado a se coçar.
Ah...
O corpo.
A alma de volta ao físico.
Abriu os olhos e encontrou o quarto vazio. Habitado apenas pela rara claridade de fim de tarde.
Sentiu o lençol amarrotado e solto da cama por debaixo de si, o travesseiro afundado.
Inspirou e expirou, sentindo-se sozinha, querendo as cores voadoras de volta.
E então sentiu um mínimo movimento na cintura.
Mexeu-se delicadamente e viu a pequena e azulada borboleta parada ali, encarando-a.
Um sorriso morno, de canto, escapou-lhe aos lábios.

Natália Albertini.

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