Intimidade Ferida.

Como se os acontecimentos do dia já não fossem suficientes, mais aquilo.
Estava sentada num assento verde, ou seja, não-preferencial, do metrô, de pernas educadamente cruzadas. Os braços abarcavam a bolsa, no colo.
Não estava a falar sozinha nem a gesticular. Mirou seu reflexo no vidro do trem. Estava limpo, nada de incomum: o cabelo meio armado como sempre, os olhos destacados apenas pelo rímel, naquele azul acinzentado e fosco de dias de chuva, os lábios descarregados, esforçando-se para não se dobrarem para baixo numa expressão de raiva.
Nada, nada! Estava absolutamente normal. Não havia nada (!) de errado com sua aparência e ainda assim aquelas pessoas continuavam encarando-a faminta e persistentemente. Pareciam querer engoli-la!
Que a deixassem em paz, aqueles canibais desgraçados!
Já não lhes bastava a impaciência com o dia por inteiro?! Tinha de se irritar também com eles?!
Seus olhos opacos fumegavam, suas mãos formigavam.
O condutor anunciou a próxima estação. Ela se levantou intempestivamente, como se a languidez jamais tivesse se apossado de seu corpo, fixando os pés em frente às portas. Quedou-se estática, com as mãos metidas nos bolsos, sem sequer se abalar com as oscilações de velocidade do metrô.
Fazendo uso novamente de seu (nem tão) fiel aliado, o reflexo no vidro, observou detalhadamente cada face - e não eram poucas - que ainda lhe miravam, odiando-as.
As portas se abriram mecanicamente, ela saiu num movimento que completava perfeitamente aquele feito para levantar-se. Como se a inércia não pudesse ser aplicada a seus músculos.
Deixou enfim o campo de visão daqueles infelizes. Entretanto, sabia que lhes voltaria à mente e vice-versa.
E era isso que mais detestava.

Natália Albertini.

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