Não pare, menino.
A enfermeira nos chamou.
Comecei a percorrer aquele corredor hospitalar ao lado de minha mãe, com a etiqueta em minha camisa listrada.
Dobramos à esquerda.
A moça nos pediu que higienizássemos as mãos na pia à parede.
Ao virar meu corpo para fazê-lo, o vi.
Vi meu avô atrás daquela fina parede de vidro, sentado na cama, com os olhinhos apertados e o peito recoberto de fiozinhos, sondas e adesivos.
Primeira onda.
Cerrei meu maxilar e me forcei a engolir as lágrimas, enquanto ouvia a voz de minha tia ressoando em minha cabeça "tentem não chorar perto dele".
Terminei de lavar minhas mãos e as enxuguei, tentando reunir o máximo de forças possíveis antes de entrar naquele quarto.
Entrei.
Ele me atraiu como um ímã.
Me aproximei com rapidez e delicadeza, dobrei o corpo sobre a cama inclinada e lhe dei um beijo na bochecha direita, agora tão pálida.
Minha mãe fez o mesmo do outro lado da cama.
Ele pediu nossas mãos. As demos.
Respirando fundo, ele nos olhou aos olhos e disse bem baixinho:
- Eu amo vocês.
Segunda onda.
Admirei minha mãe, pois foi forte, retribuiu-lhe o olhar e respondeu à altura.
Eu fui uma covarde, uma péssima neta, porque por mais que sentisse meus dentes se esmigalharem com a pressão que fazia, deixei as lágrimas subirem aos olhos.
E eu não expressei meus sentimentos por ele em retorno. Não consegui expressar meu amor por ele em palavras.
Tornei o rosto à esquerda e o enxuguei disfarçadamente em minha manga. Mas ele não me ajudou, só complicou ainda mais a situação:
- Poucas coisas boas têm acontecido pra mim, mas vocês terem vindo aqui foi uma delas - e apertou nossas mãos.
Palavras e soluços engasgados em minha garganta.
Eu ali, sem saber o que fazer e o que dizer, enquanto minha mãe conversava com ele.
Embora um rio inundasse meus olhos, eu observava seu semblante tão familiar e tão sorridente. Porém o sorriso desvaneceu-se, era só minha memória interferindo. Esse dava agora lugar a certa preocupação.
Terceira onda.
Engoli-a e por fim consegui proferir algumas palavras, entretanto ainda sentindo a voz falhar:
- E aí, vô, quando vamos pro baile?
Ele riu finamente. Ao menos consegui ver parte de seu brilho voltar a seus olhos.
- Eu comprei um dvd de bolero e outro de forró! - ele contou.
Entretanto, nesta meia-conversa, adentrou o médico.
Minha mãe se precipitou em ir buscar meu pai, o terceiro filho de meu avô.
Meu vô, acho que até de forma inconsciente, apertou mais meus dedos.
Quarta onda batendo no quebra-mar.
Em algum momento, que não me lembro exatamente quando, o quarto ficou vazio.
Só eu e meu vô ali.
Ele respirava alto.
Escureci meus olhos e, dissimulada, puxei outro assunto:
- Tá sabendo que eu vou começar a fazer alemão esse esmetre, vô?
E daquele jeito tão vô Germano, ele me respondeu:
- Num diga, menina! Não pare!
Pois é, vô.
Nem você.
Não pare.
Por favor.
E neste momento sou toda oceanos.
Ps.: Desculpem-me, não dava pra fazer um texto feliz. E eu tive que parar por aqui, não dava pra continuar. Tô tentando ser o mais positiva possível, mas mesmo assim estou dilacerada. Bem como minhas coxas e minhas costas.
Ps2.: Eu aqui, as costas arranhandas, os olhos inchados, e um "eu te amo, vô" preso na garganta.
Natália Albertini.
Comecei a percorrer aquele corredor hospitalar ao lado de minha mãe, com a etiqueta em minha camisa listrada.
Dobramos à esquerda.
A moça nos pediu que higienizássemos as mãos na pia à parede.
Ao virar meu corpo para fazê-lo, o vi.
Vi meu avô atrás daquela fina parede de vidro, sentado na cama, com os olhinhos apertados e o peito recoberto de fiozinhos, sondas e adesivos.
Primeira onda.
Cerrei meu maxilar e me forcei a engolir as lágrimas, enquanto ouvia a voz de minha tia ressoando em minha cabeça "tentem não chorar perto dele".
Terminei de lavar minhas mãos e as enxuguei, tentando reunir o máximo de forças possíveis antes de entrar naquele quarto.
Entrei.
Ele me atraiu como um ímã.
Me aproximei com rapidez e delicadeza, dobrei o corpo sobre a cama inclinada e lhe dei um beijo na bochecha direita, agora tão pálida.
Minha mãe fez o mesmo do outro lado da cama.
Ele pediu nossas mãos. As demos.
Respirando fundo, ele nos olhou aos olhos e disse bem baixinho:
- Eu amo vocês.
Segunda onda.
Admirei minha mãe, pois foi forte, retribuiu-lhe o olhar e respondeu à altura.
Eu fui uma covarde, uma péssima neta, porque por mais que sentisse meus dentes se esmigalharem com a pressão que fazia, deixei as lágrimas subirem aos olhos.
E eu não expressei meus sentimentos por ele em retorno. Não consegui expressar meu amor por ele em palavras.
Tornei o rosto à esquerda e o enxuguei disfarçadamente em minha manga. Mas ele não me ajudou, só complicou ainda mais a situação:
- Poucas coisas boas têm acontecido pra mim, mas vocês terem vindo aqui foi uma delas - e apertou nossas mãos.
Palavras e soluços engasgados em minha garganta.
Eu ali, sem saber o que fazer e o que dizer, enquanto minha mãe conversava com ele.
Embora um rio inundasse meus olhos, eu observava seu semblante tão familiar e tão sorridente. Porém o sorriso desvaneceu-se, era só minha memória interferindo. Esse dava agora lugar a certa preocupação.
Terceira onda.
Engoli-a e por fim consegui proferir algumas palavras, entretanto ainda sentindo a voz falhar:
- E aí, vô, quando vamos pro baile?
Ele riu finamente. Ao menos consegui ver parte de seu brilho voltar a seus olhos.
- Eu comprei um dvd de bolero e outro de forró! - ele contou.
Entretanto, nesta meia-conversa, adentrou o médico.
Minha mãe se precipitou em ir buscar meu pai, o terceiro filho de meu avô.
Meu vô, acho que até de forma inconsciente, apertou mais meus dedos.
Quarta onda batendo no quebra-mar.
Em algum momento, que não me lembro exatamente quando, o quarto ficou vazio.
Só eu e meu vô ali.
Ele respirava alto.
Escureci meus olhos e, dissimulada, puxei outro assunto:
- Tá sabendo que eu vou começar a fazer alemão esse esmetre, vô?
E daquele jeito tão vô Germano, ele me respondeu:
- Num diga, menina! Não pare!
Pois é, vô.
Nem você.
Não pare.
Por favor.
E neste momento sou toda oceanos.
Ps.: Desculpem-me, não dava pra fazer um texto feliz. E eu tive que parar por aqui, não dava pra continuar. Tô tentando ser o mais positiva possível, mas mesmo assim estou dilacerada. Bem como minhas coxas e minhas costas.
Ps2.: Eu aqui, as costas arranhandas, os olhos inchados, e um "eu te amo, vô" preso na garganta.
Natália Albertini.
Comentários
Um menino que brinca vigoroso, procura traçar seus passos numa estrada que lhe forneça ar fresco, sol e algumas flores. E perante esses caminhos que ele mesmo tratou de traçar, logo viu que não era mais menino e que tinha de trabalhar. Foi perseverante e batalhador e muitos amigos conquistou, e sua família inevitavelmente aumentou, trazendo outros olhos brilhantes para junto dele. Em meio aos familiares cuidou, amou e viveu plenamente, e hoje em dia ninguém diz que ele não é feliz.
Texto admirável.