O lago dela

Respira de leve, quieta.
Não tira os olho do horizonte, por cima do lago que se mexe delicado.
Se concentra no barulho da água indo e vindo. Aprecia os claros tons de verde daquele Lago d'Orta que conhecia tão bem.
Sente a grama fofa sob seus pés descalços. Sente o lago quase beijando seus dedos do pé. Consegue sentir quão frio o lago está, mesmo sem que ele a toque.
Respira de novo, profundo.
O sol acaricia o gramado com tons laranjas. Já devem passar das sete horas. Como ela ama sentir o verão chegando na Itália.
Ouve de longe alguns passarinhos discutindo por comida, e crianças reclamando para os pais que as tiram com força do lago, porque querem ficar mais.
Apesar de sentir sentimentos tão doces e leves, tão rosa e branco, ela respira de novo, profundo.
O peito afunda.
Ela olha para o caderno deixado ao lado. A página em branco. A caneta caída, inútil.
Fecha os olhos por um pouco, quieta, só ouvindo o lago indo. E depois vindo. Leve como o ar daquela tarde.
"Que coisa", pensa. "É mesmo tão estranho que...", respira.
Abre os olhos e fita o horizonte de novo. As montanhas ao longe, o céu limpo. Algumas aves sobrevoando o lago que agora se torna laranja.
Por tantas vezes, não consegue formular palavras. Só sentir. Só as sente.
Às vezes, ela pensa se não teria mais utilidade para o mundo se tivesse vindo como o lago, que não pensa. Só vai e vem. Como o lago, que é frio, mas esquenta um pouco durante alguns dias do ano. Como o lago, cuja voz se perde em meio às vozes de crianças, famílias e amigos no verão, e em meio ao total abandono no inverno. Como o lago. Que só vai. E vem. E vai.
"É tão estranho que um só peito consiga ser lar pra tanto amor e alegria e, ao mesmo tempo, tanta tristeza e...", ela nem sabe mais o quê. Só sabe que é mais tristeza e alguma coisa... Alguma coisa que, se não fosse pela doçura daquela tarde ali, talvez a afundasse no próprio lago, onde tudo é silêncio, vazio e frio.

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