Sucesso

     - Júlia!
Ela se virou enquanto desligava a tela da sala de reunião e fechava seu computador, apressada para a próxima reunião.
     - Ah, oi, Ana, tudo bem? - se encaminhando para a porta.
     - Tudo! Eu só queria te dizer que achei sua apresentação ótima. Você finalmente provou pra aquele tonto que essa é a melhor opção.
     - É… - ela riu de leve - espero que sim. Ele é mesmo um tonto, né?
     - Ah… E como! - Ana bufou - Fique tranquila, você não é o único alvo. Todas nós somos. - e deu um tapinha nas costas de Júlia - Bom, te vejo por aí!
     - Até mais!
Enquanto se encaminhava à próxima sala de reunião, Júlia segurou um sorriso,  pensando como isso era engraçado. Como podia ser normal que um homem agisse de maneira tão esdrúxula e ainda assim fosse o mais jovem diretor da empresa, com promoção atrás de promoção, mesmo seu comportamento sendo reconhecidamente arrogante e antiético. 
Ela estava cansada de Ricardo há um bom tempo, mas já tinha se acostumado a apenas ignorá-lo e não se deixar levar pelas babaquices e insultos que ele lhe soltava. De qualquer forma, aqueles poucos segundos de conversa com Ana deram-lhe novo fôlego. Mesmo que não fossem amigas de longa data, nossa… Que momento incrível!
Júlia se sentiu profundamente grata por aquela conversa, e mais forte ainda. Rumou para a próxima reunião, na qual de novo recebeu uma série de elogios de outras pessoas.
Que dia! Puta merda, que dia!

Às seis e meia, ela ainda tinha uma lista imensa de coisas para entregar antes do fim de semana, mas, determinada, desligou seu computador, deu tchau apressada a alguns colegas que ainda estavam por ali e correu para o estacionamento.
Hoje era sexta-feira, ela tinha tido uma semana incrível no trabalho e estava cheia de energia.
Hoje, nada a impediria.
Jogou a bolsa no banco ao lado, se olhou no espelho retrovisor e ajeitou seu afro. Sorriu para si mesma, orgulhosa.
Que dia! “Hoje é o dia!”, ela resolveu… Hoje ela honraria aquele dia incrível atingindo uma de suas metas mais temidas. Não podia deixar passar aquele rompante de energia e adrenalina.
Dirigiu ágil, de olho no relógio, mas sem correr.
Ah!! Que dia!! Ela não conseguia parar de sorrir.

Chegou na academia, estacionou, correu para pegar a mochila do porta-malas e se apressou para o vestiário. Se vestiu e se olhou no espelho.
Seu reflexo meneou a cabeça de leve e a lembrou, na voz de seu ex:
     - Você deveria agradecer por pelo menos ter um rosto bonito!
Ela titubeou. Se encarou por mais alguns segundos e…
Não!
     - Hoje não! - ela se mostrou os dentes, como uma gata.
Hoje ela era dona do mundo. Não, ainda melhor. Hoje, ela era dona de si.
Arrumou o cabelo,  encheu sua garrafa d’água e marchou para a aula de jump.
Toda sexta-feira à noite, há meses, ela fazia essa aula como uma válvula de escape para sua semana - tendo sido boa ou não. Toda sexta à noite ela se acabava na aula, voltava pra casa exausta e suada, mas também frustrada.
As outras mulheres eram todas, sem exceção (como quase todas naquele seu bairro), brancas, altas e magras. Eram Barbies. E eram malignas, porque mesmo sem dizer palavra, faziam Júlia se sentir pequena e inválida.
É, a Júlia. A primeira diretora mulher de sua empresa. A que a maioria respeitava e admirava. A que era usada como exemplo para os programas de líderes mulheres e também inclusão social. Mesmo assim… Ali, naquela aula, ela não conseguia deixar de se sentir como uma ninguém, uma pequena, feia e gorda menininha.
     - Não! Hoje não! - ela sussurrou a si mesma antes de entrar na sala, onde as Barbies já ocupavam toda a primeira fila, todas de top e shorts bem curtos.
Determinada,  entrou na sala, se colocou em posição e, em vez de se colocar de frente, olhando diretamente para a professora, se virou de lado, olhando no espelho lateral, onde conseguia focar somente em si mesma. Olhando no fundo de seus olhos.
As outras a acharam meio estranha, mas não tinham nada a ver com isso. Não tinham motivo para falar com ela mesmo, então ficaram quietas.
A música começou.
A professora iniciou a rotina com movimentos já conhecidos. Júlia seguiu, ouvindo, sem tirar os olhos de si mesma.
E então, finalmente, depois de meses se oprimindo e terminando suas semanas encolhida num poço escuro de auto-questionamento, tristeza e frustração, mesmo tentando racionalmente se provar que aquilo não deveria lhe impactar tanto… Depois de tanto duvidar de si mesma, de chorar se olhando ao espelho, de desacreditar qualquer um que dissesse que a admirava e que ela era incrível… Depois de tanta agonia, enquanto a música aumentava, Júlia gritou. Gritou e deixou escorrerem lágrimas quentes, mas felizes, enquanto finalmente tirava a blusa.
     - Hoje não!!!! - seu grito abafado sob a música alta e os whoop whoop das Barbies.
Finalmente, depois de todos aqueles meses naquela aula - e todos aqueles anos naquele corpo - ela viu sua barriga à mostra enquanto pulava na mini cama elástica. Sorria e chorava ao mesmo tempo, sem se importar com quem a olhasse.

Antes de ir pra casa, passou num mercado e comprou suas guloseimas favoritas: pizza, sorvete, chocolate e vinho.
Ah, pegou também um chocolate e um cartão. Deixaria na mesa de Ana na segunda-feira de manhã.

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