Venosa Verinha vazia.

Trabalhava arduamente, mas sem perder a graciosidade e os lábios retorcidos que formavam a caricatura de um sorriso.
Cortava aqui e retalhava ali. Amortecia a carne do animal já abatido com as próprias mãos e, por vezes, com um martelo de cozinha.
Separou a cabeça num largo vidro cheio de formol sobre uma prateleira, ao lado de outros de conteúdo semelhante.
Passou a trabalhar somente no corpo do bicho, tirando-lhe os órgãos com dedicação.
Como de costume, cheirou o cadáver de perto, fechando os olhos. Amarelo claro.
Enfim começou a drenar-lhe o sangue que ainda relutava em sair, grudado nas veias e artérias, também armazenando-os em recipientes etiquetados.

Três ou quatro horas mais tarde, recebeu a prazerosa visita de uma dama mui amiga sua. Conversaram sobre política, jardinagem, saúde e, por fim, durante o jogo de cartas acompanhado de um pedaço de torta, sobre culinária:
- Essa torta é mesmo um esplendor - ela disse.
- Ora, eu agradeço!
Após uma breve pausa, retomaram o que falavam antes. Ela içou:
- E cá digo-lhe a verdade: nada tiramos dos outros além do pior que elas têm a oferecer.
- pois sou da mesmíssima opinião. Entretanto, é um fenômeno imutável.
- Ah, sim?
- Ora, claro! Já que nós aceitamos de bom grado, a oferta continua a mesma.
- Sim... Faz sentido - Ela olhou seu leque de cartas e mastigou mais um pedaço de torta.
Retomou:
- Deliciosa torta! Não me canso de congratular-te. Não posso acredeitar que este seja o seu pior.
- Ao menos, não o meu - sorriu e sutilmente olhou para o vidro etiquetado "venoso" na prateleira ao longe. - E nossa cara senhorita Verinha, como anda?
- Disso já não sei. Só que não aparece em casa de seu pai há alguns dias.
- Qual! - fingiu espanto - Curioso, não?

O vidro vazio.

Natália Albertini.

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