Mundo dos Sonhos
- Ai, meu pé! - exclamou Marcos, um baixinho, branquelo, de cabelos bem escuros e óculos fundo-de-garrafa.
- Desculpa, cara, mas eu não vi - respondeu Júlio, uns dez centímetros mais alto que o outro, um pouco mais bronzeado, porém com o cabelo quase da mesma tonalidade.
- Gente! Cala a boca! - censurou Eduardo, o mais alto dos três e, pelo jeito, o mais sensato.
Todo o diálogo ocorrera por meio de sussurros, afinal, se falassem mais alto que isso, seriam descobertos. Todos os três estavam agachados debaixo da janela que dava para a sala da casa de Paula, uma das garotas mais bonitas, charmosas e atraentes de toda a escola. Os três faziam parte do típico grupinho sabe-tudo. Júlio e Eduardo eram "até descolados", como diziam as garotas, o problema era Marcos, "de difícil degustação", na opinião delas. Porém nada demais, acontece nas melhores famílias...
Os três jamais haviam namorado alguém, na verdade, haviam dúvidas se eles já haviam beijado alguém. Entretanto isso não os incomodava, eles não sentiam falta de uma garota, isso é, não no sentido de ter alguém para entregar o coração, porque no sentido de ter alguma delas para sua satisfação carnal, ah, aí, sim, eles sentiam falta. Bem, isso era o que até eles próprios pensavam.
Eduardo, o mais "ajeitadinho", segundo a opinião de algumas garotas, tinha uma paixão secreta, uma paixão da qual até ele tinha medo. Era simplesmente apaixonado, tanto de corpo quanto de alma, coincidentemente pela melhor amiga da dona da casa que estavam espiando agora. A garota era Anita, bela loira de cabelos compridos e olhos apaixonantemente verdes. Ora, mas é claro que eram apaixonantes, ele não estava apaixonado por ela?
O fato é que nunca haviam se falado, nada mais do que um simples "oi" quando casualmente encontravam-se numa mesma roda de amigos. Nunca passou disso, quer dizer, não para ela... Eduardo a observava há algum tempo. Não só fisicamente, mas principalmente no quesito personalidade. Conseguira algumas dicas sobre a história e mentalidade da garota e, aí, sim, decidiu entregar seu coração a ela. O de cima, não apenas o de baixo.
Lembrava de seu doce perfume de jasmins quando Marcos deu-lhe uma bela acotovelada:
- Olha lá, ela tá indo pra cozinha! - e deu uma risadinha hilariamente safada.
- É, quem sabe ela não tira a blusa graças ao calor do fogão? - prosseguiu Júlio, rindo-se de forma que só os homens vêem graça.
Eduardo apenas riu baixinho, achando graça em quanto os dois queriam que ela realmente fizesse todo aquele processo de cenas de filme. Ele praticamente engatinhou para o lado, deixando mais espaço para os dois, saindo de debaixo da janela, e recostou o dorso na parede, escorregando-o e sentando-se na grama. Marcos o olhou, quase pasmo, e arregalou os olhos, chamando-o de volta com um gesto de mãos:
- O que tá fazendo?!
- Não quero vê-la nua, isso é, se ela ficar nua...
- Ela vai ficar... Mas, por que não quer mais?
- Não sei, só perdi a vontade... Agora fique quieto, senão ela vai te descobrir!
Era bobagem, ele sabia por quê. É claro que sabia, era por causa de Anita. Ficou ali, sentando, perdendo-se em pensamentos quando repentinamente Júlio exclamou num sussurro:
- Olha só! Mais uma para nosso deleite! He-he.
- Meu Deus, estamos feitos... Essa Anita é um pitel!
Eduardo sobressaltou-se e pulou, pondo-se de pé e logo empurrando os dois para fora da janela, ficando sozinho ali para conferir. E, sim, era ela, era sua amada. Os dois voltaram e falaram quase que simultaneamente:
- Qual é a sua, Du?
- Calem a boca!
Os dois amontoaram-se sobre ele para acompanharem a situação. As duas garotas se abraçaram e continuaram assim por um bom tempo, aparentemente consolando-se. Então Marcos não pode deixar de soltar uma de suas piadinhas:
- Beleza! Lésbicas são ainda mais atraentes!
Júlio e Eduardo apenas responderam-lhe com dois murros, fazendo com que assim ele se calasse de uma vez por todas. As meninas sentaram-se no sofá e começaram a conversar. Ah, como o apaixonado gostaria de ouvir o que elas estavam falando... Anita estava tão triste e também... Opa, ela estava chorando! Ah, como queria poder consolá-la.
De repente, Paula levantou-se e virou-se de frente para a janela, o que quase levou ao fracasso da operação. Por mera sorte de todos os três, seus reflexos não deixavam a desejar e se abaixaram antes que pudessem ser descobertos. Esmagaram-se contra a parede, para que ela não os percebesse. Ela abriu a janela, afinal, a noite estava quente e quase insuportavelmente abafada. E, para dizer a verdade, eles poderiam quase ter continuado na posição em que estavam, a garota era perfeitamente hipermétrope. Porém eles não sabiam disso e, mesmo que soubessem, não se arriscariam, obviamente.
Ah, a janela agora estava aberta e o ar estava livre para ir e vir da casa, livre para deixar as ondas sonoras fluírem e chegaram aos ouvidos deles, principalmente, de Eduardo. Eles levantaram-se novamente e ficaram quase que na mesma formação, apenas um pouco mais abaixados. Apenas o suficiente para vê-las e não serem vistos. O mais alto dos três teve sua confirmação: ouviu os soluços de sua amada. Ela estava chorando, sim, com toda a certeza. Bastava agora ouvir o motivo disso. Ouviu Paula dizendo:
- Querida, não fique assim...
- Paula, eu digo isso a mim mesma todas as noites, mas tem vezes que não consigo segurar. Ele é tão perfeito, é tudo que eu sempre quis pra mim...
- Eu sei, meu bem, mas não adianta fazer todo esse escarcéu por causa dele. Ele está a sabe-se lá quantos mil quilômetros daqui, vocês nunca se viram pessoalmente, você não sabe se ele é realmente tudo isso.
- Ele é, eu sei que é. As músicas que ele me manda, as coisas que ele me fala, tudo!
- Anita, deixa disso. Se, por um acaso, algum dia vocês chegarem a se ver, aí, sim, você opta por amá-lo ou não. Mas enquanto isso não acontece, abra seus olhos para os garotos daqui. Aposto que há vários meninos daqui que morreriam por você.
Nesse instante, Anita e Eduardo, apaixonado e apaixonada, suspiraram de maneira perfeitamente simultânea. Como ela queria acreditar que aquilo era verdade, que alguém olhava para ela. E como ele queria ser aquele cara de quem ela tanto gostava. Ela deu continuidade:
- Isso não é verdade. Ninguém daqui sequer repara em mim, Paula. Eu sei disso... Não sou como você: linda e interessante. Sou uma qualquer quase convencida de que os garotos que valem a pena estão sempre longe, e eu nunca os encontrarei pessoalmente.
Marcos e Júlio estavam sentados na grama, ao lado de Eduardo. Haviam perdido o interesse, estavam conversando sobre qualquer coisa relacionada a átomos. No instante em que Anita terminou de pronunciar aquelas palavras, o garoto sentiu uma comichão arrastar-se por todo o seu corpo. Ele postou-se de pé por completo, enfiou a cabeça pela janela e gritou:
- Isso é verdade, sim! Eu reparo em você e, pra dizer a verdade, eu te amo!
Ambas as garotas o olharam extremamente surpresas e furiosas e começaram a gritar com ele.
Ele saiu correndo. Mas, espera... Seus pés continuavam plantados ali e continuava na mesma posição de antes de ter-se colocado de pé. Ah, é claro, não havia feito nada daquilo, foi apenas a força de pensamento. É óbvio, ele nunca faria aquilo. Que loucura... Se fizesse, provavelmente nunca voltaria a falar com ela. Porém, pensando por outro lado, se não fizesse, jamais falaria com ela...
Não, melhor não fazer, acharia um jeito de conversar com ela mais pra frente, tinha que achar, não guardaria aquilo para sempre.
O que mais doía nele agora era saber que ela realmente acreditava que os únicos que valiam a pena e que gostavam dela não estavam perfeitamente à disposição.
Natália Albertini.
Comentários
Hahaha,eu AMO isso.
E por enquanto não tem menino algum sob a minha janela e nem um tipo de esperança brota em mim,que pena!
:)
hehehehe.
Tá otimo o texto xD